sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Temos liberdade ou apenas concessões?



Desde priscas eras temos ouvido as pessoas clamarem por ‘liberdade’. E muito já se fez em nome dela: guerras, assassinatos, revoluções. A ‘liberdade’ é colocada como antônimo de autoritarismo, de ditadura. Na época do governo militar, no Brasil, muitas pessoas desapareceram nos porões da ditadura lutando pela liberdade; nos Estados Unidos, o povo americano lutou contra os colonizadores ingleses pela sua liberdade; a Revolução Francesa depôs a monarquia para acabar com sua opressão e obter liberdade; o Aliados enfrentaram a Alemanha de Hitler para evitar o nazismo que oprimiria a liberdade das nações. E, afinal, conseguimos esta tão sonhada e propalada liberdade?
Liberdade, na verdade, é apenas um conceito abstrato e vago. Mesmo nas chamadas ‘democracias’ não existe, verdadeiramente, liberdade. No Brasil, por exemplo, onde supostamente vivemos uma democracia, vemos que não possuímos, de fato, liberdade: somos obrigados a votar; somos obrigados a nos alistar nas Forças Armadas; somos obrigados a lutar pelo país em caso de guerra; somos obrigados a pagar impostos; e por aí vai. Ou seja, somos obrigados a fazer uma porção de coisas que não queremos, e deixar de fazer umas tantas outras que queremos. Na maior parte dos casos, somos obrigados a agir contra a nossa vontade.
Quando votamos, não votamos nos candidatos que achamos serem os melhores para determinados cargos, mas votamos nos candidatos que os Partidos nos oferecem. Não escolhemos quem queremos; escolhemos dentre as opções que nos são oferecidas.
Temos Leis que nos dizem o que podemos ou não podemos fazer. Mantemos a nossa liberdade quando obedecemos a essas leis; quem desobedece, fica privado de sua liberdade.     
Moralmente, existe uma ‘lei’ que nos diz que o limite da nossa liberdade vai até onde começa a liberdade de outra pessoa. Eu só posso fazer algo que não incomode outra pessoa, caso contrário não devo fazê-lo. Posso exercer minha liberdade dentro de determinados limites. Nossa liberdade é cerceada e vigiada – Big Brother em ação (estou falando do famoso livro ‘1984’, de George Orwell, e não daquela imbecilidade exibida pela Rede Globo).
Em tempos idos, permitia-se a realização de duelos. Se uma pessoa matasse outra em um duelo não seria presa por assassinato, já que a vítima havia concordado em participar do referido duelo. Atualmente, duelos são proibidos. Se uma pessoa matar outra em duelo, será presa por assassinato. Mesmo que as duas partes concordem em duelar, o duelo é considerado ilegal.
Ou seja: nossa liberdade é determinada pela sociedade e por suas ideias de momento. A sociedade nos prende a determinadas convenções que devemos seguir, querendo ou não. Daí podemos deduzir que não temos, de fato, liberdade. O que temos são concessões que a sociedade nos dá, permitindo que façamos algo ou não.             
Na verdade, esse tempo todo temos lutado por uma utopia: a utopia da Liberdade! Temos matado e morrido por nada. O povo – a grande massa de gente – foi feita para seguir, e não para ser seguida – daí o grande número de igrejas e religiões que nascem todos os dias; daí o número de ditaduras que pululam pelo mundo. A ‘massa’ faz não o que quer, mas o que a mandam fazer. A televisão nos diz o que comprar, o que vestir, o que assistir e o que fazer, enquanto nos passa a falsa impressão de liberdade, de que fazemos o que queremos.
Mesmo em governos ditos ‘democráticos’, essa democracia é pura ilusão. O governo do povo, na verdade, é o governo de uma minoria que recebe o aval de uma maioria para oprimir esta maioria. E, geralmente, essa minoria age em proveito próprio, sem defender os interesses da maioria que os colocou lá.
O que devemos fazer, então, para alcançarmos a Liberdade?
Não sei. Não escrevi este texto com a pretensão de fornecer respostas, mas de fazer perguntas, de fazer com que as pessoas pensem sobre a questão.
Pelo menos, aqui, cada um terá a liberdade de encontrar suas próprias respostas.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

O papel da mulher na educação dos filhos


Na maioria dos países, os cargos de liderança são exercidos por homens. As mulheres reclamam que vivemos em uma sociedade patriarcal e que elas são manietadas e sofrem preconceitos por parte dos homens, opressores. Porém, se refletirmos sobre o assunto, chegaremos à conclusão de que a culpa de ainda termos uma sociedade machista e patriarcal é culpa das mulheres, já que são elas que, verdadeiramente, nos governam.
Quando pequenos, ficamos aos cuidados da mãe, que nos alimenta, nos dá banho, nos põe pra dormir. Mesmo quando estamos um pouco maiores, passamos mais tempo com nossas mães, enquanto nossos pais estão no trabalho ou, no seu tempo livre, estão bebendo cerveja com os amigos. 
Na escola, do 1° ao 5° ano, a maioria dos professores são mulheres – as “tias”, como nos ensinam a chamá-las. Assim como nossas mães e avós, são elas que nos educam nos primeiros anos do nosso aprendizado, quando estamos aguçando a nossa curiosidade para novas descobertas. 
Quando os filhos são adolescentes, já demonstrando sinais incipientes de independência, o pai, em muitos casos, se aproxima mais das filhas, com quem conversa e troca ideias. E, sem perceber, acaba se deixando levar pelo jeito carinhoso e meigo da ‘filhinha’. Geralmente, a filha consegue manipulá-lo a deixá-la fazer quase tudo que ela deseja. 
Os nossos líderes são forjados no seu caráter e na sua integridade pelas suas mães. Poderíamos dizer que são as mulheres que formam os nossos líderes, embora muitos deles acabem se desviando dos ensinamentos que lhes foram passados. Outros se desviam por não terem recebido de suas mães – e também de seus pais – ensinamentos adequados ou suficientes. 
A mulher, mesmo nos dias atuais, ainda mantém a sagrada tarefa de educar os filhos nas suas fases iniciais. Pena que muitas delas (a maioria, infelizmente) não tenham consciência da importância e responsabilidade que lhes cabe. Acham que educar o filho é apenas banhá-lo, alimentá-lo, vesti-lo, dar-lhe uma boa escola. Não percebem que cabe a elas moldar o caráter dos filhos, formando os homens que eles serão no futuro. Valores morais e educação não se adquirem nas escolas nem nas igrejas. Estas instituições apenas reforçam ou expandem o que foi aprendido em casa. O lar é a escola primeira, que nos prepara para a vida ou, pelo menos, nos fornece subsídios para que possamos nos ajustar e nos ajeitar da melhor maneira possível. 
A escola não nos educa, apenas nos ensina. Porém, nos dias corridos de hoje, muitos pais deixam a cargo da escola e da televisão (que nos mostra coisas boas e más, indiscriminadamente) a educação dos filhos, sem se darem conta – ou, o que é pior, recusando-se a se darem conta – de que as bases são lançadas no lar. Sem uma base sólida não podemos construir o edifício da educação. 
Muitos pais dizem não ter tempo para conversar com os filhos, para simplesmente estar com eles. Contudo, esses mesmos pais arranjam tempo para jogar futebol, tomar um chopp com os amigos, para ir ao cabeleireiro ou ficar horas ao telefone fofocando da vida alheia com uma amiga. Há falta de tempo, tempo mal administrado ou simplesmente desinteresse? 
Quando os pais, principalmente as mães, que ainda são as reais administradoras do lar, se conscientizarem de que depende deles a aquisição de valores morais por parte dos filhos, passando-lhes estes valores, principalmente, por meio de exemplos – uma conduta correta, um lar equilibrado e harmonioso – teremos, no futuro, cidadãos comuns e líderes conscientes e honestos, preocupados com o desenvolvimento justo da sociedade, com a diminuição das injustiças sociais, enfim, preocupados em realmente erigir uma sociedade justa por meio de atitudes realmente eficazes, ao invés das palavras vazias que comumente ouvimos dos nossos políticos.
Os pais são responsáveis em transformar esse futuro em realidade, passando para os filhos valores e ideais elevados, iniciando-os no caminho da justiça social. 
Porém, lembremo-nos de que não podemos dar aos outros aquilo que não temos nem para nós mesmos.           

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O país do pão e do circo


Observando os últimos dias, quando o Corinthians estava em Yokohama, no Japão, para disputar o Mundial da FIFA, pude observar certas situações, e lembrar de outras, que parecem só ocorrer no Brasil.
Uma das coisas que já nos habituamos a ouvir dos comentaristas, quando um time brasileiro disputa um campeonato internacional (Libertadores, Sulamericana ou Mundial de Clubes), é que aquele time “é o Brasil na Libertadores”, por exemplo. São levantadas bandeiras de um falso ‘patriotismo’. Torcedores de outros times aderem a esse bordão e passam a torcer por equipes que, normalmente, são rivais. Outro fato que causa discussões é o ranking da FIFA. Quando o Brasil perde posições – e, principalmente, quando é ultrapassado pela Argentina –, causa uma espécie de indignação entre os brasileiros, que não aceitam que o Brasil deixe de ser um dos três primeiros times no ranking, no mínimo.
Porém, algumas notícias que envolvem situações mais graves e alarmantes acabam passando despercebidas. Como é o caso de um ranking sobre educação, recentemente divulgado. Dentre os quarenta países que fizeram parte da análise, o Brasil ocupou o trigésimo nono lugar! É isso mesmo: posição número 39, entre 40 países! Só ficamos à frente da Indonésia! Qual foi o resultado disso? Nenhum.
Não vi nenhum comentário indignado no Facebook ou no Twitter, embora tenhamos ficado atrás da Argentina, por exemplo.
Temos vários recordes negativos, mas ninguém parece se importar com isso. Somos um dos primeiros países em acidentes de trânsito; estamos no topo em violência e corrupção. Ocupamos as últimas posições quando o assunto é educação. Mas, tudo bem. Desde que sejamos um dos primeiros no futebol. Cair no ranking da FIFA é que não pode!
É por isso que, atualmente, temos esta educação de fachada. O governo brasileiro divulga números baixíssimos de analfabetos, mas vemos alunos do Ensino Médio que não leem nem escrevem com um mínimo de correção; a educação é elogiada pelos nossos governantes, mas o que vemos são vários professores despreparados e que não conhecem nem mesmo as matérias que lecionam; vemos garis ganhando quase o mesmo – e, às vezes, até mais – que professores.
Enquanto o governo faz cortes nas verbas voltadas para a educação, liberam milhões de reais para a construção de estádios para a Copa do Mundo – embora o então presidente Lula, aquele que nunca sabia de nada, tenha afirmado categoricamente que os estádios seriam construídos com dinheiro privado, com o governo arcando apenas com as obras de infraestrutura.   
Atualmente, a única preocupação do povo brasileiro é com a Copa do Mundo que será realizada no Brasil. A maioria da população está preocupada com o fato de o Brasil ainda não ter um time pronto, enquanto seleções como Espanha e Alemanha têm uma base desde a última Copa. O povo anda preocupado em não repetir o fiasco de 1950, quando fomos derrotados pelo Uruguai e perdemos o título em pleno Maracanã. Porém, não vejo ninguém preocupado – nem mesmo os nossos governantes – com o fato de perdermos para o mesmo Uruguai, para o Chile e para a Argentina em termos de educação. Lembrando: só ganhamos da Indonésia, dentre os 40 países analisados.
E por que o povo brasileiro só se preocupa com o futebol, deixando de lado questões mais relevantes? Por causa dessa mesma educação que nos deixa em trigésimo nono lugar, dentre 40 países!
A educação que recebemos – e que nós, como professores, repassamos! – não nos permite analisar questões relevantes. O brasileiro vive ainda como os romanos da época dos Césares: é só dar-lhes pão e circo – leia-se: bolsa família e futebol – e ele fica calado e contente. Passando fome, desempregado, morrendo de várias doenças por falta de infraestrutura e vivendo na ignorância.
Mas com orgulho de ser brasileiro, o país da próxima Copa do Mundo!       

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Galinhas, família e epifania: reflexões sobre Clarice Lispector



O conto “Uma galinha”, de Clarice Lispector, é, aparentemente, um conto simples, até mesmo infantil. Esta impressão fica mais acentuada ao sabermos que Clarice Lispector também escreveu histórias infantis – O mistério do coelhinho pensante, A mulher que matou os peixes, A vida íntima de Laura e Quase de verdade. Porém, esta impressão de simplicidade se esvai frente a uma leitura mais atenta da história. Ao procedermos assim, observamos que o conto apresenta várias opções de análise e alguns fatos que são recorrentes tanto nos contos quanto nos romances ditos ‘para adultos’ de Clarice.
Primeiramente, a questão da família. Clarice escreveu um livro de contos inteiro sobre este tema, Laços de família, no qual discute várias situações envolvendo famílias. No Brasil, por ser um país eminentemente católico, principalmente na época em que o livro foi publicado – 1960 –, a família era vista como algo sagrado, remetendo à família de Jesus como sendo um exemplo. Criticar a instituição família era ir contra a Igreja e também contra o Estado.
Em segundo lugar, a presença de uma galinha, figura recorrente nas histórias da escritora. Em vários dos seus contos e romances, há uma galinha como personagem ou, então, ovos de galinha. No conto “Amor”, do livro Laços de Família, por exemplo, a personagem Ana, quando está no bonde, leva consigo alguns ovos, que serão servidos no jantar; há, também, um conto intitulado “O ovo e a galinha”.
No conto “Uma galinha”, a personagem central, como o próprio título diz, é uma galinha, uma “galinha de domingo” que irá ser servida no almoço. No entanto, quando se iniciam os preparativos para matar a galinha, esta alça voo e vai empoleirar-se nos muros e telhados da vizinhança. O pai, vendo o almoço fugir, empenha-se em persegui-la até que, triunfante, consegue trazer a galinha de volta para casa. Com a excitação da fuga e a consequente perseguição de que fora alvo, a galinha põe um ovo. Nesse instante, a filha pede para que “(...) não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! Ela quer o nosso bem!”
A partir daí, a galinha torna-se o centro das atenções, “tornara-se a rainha da casa”. Essa situação permaneceu durante algum tempo, até que um dia “dia mataram-na, comeram-na e passaram-se os anos”.
O conto narra a vida de uma típica família brasileira – mas que poderia representar uma família de qualquer parte do mundo. Há a figura do pai, da mãe, da filha e da cozinheira. O papel de cada um está bem delineado e condizente com a realidade – pelo menos, com a realidade da época em que Clarice Lispector escreveu o conto. O pai é o provedor, é aquele que tem a responsabilidade de sustentar a família, provendo todas as suas necessidades, inclusive de alimentação – resquícios dos tempos das cavernas, no qual os homens tinham a função de proteger e alimentar o grupo. Quando a galinha foge, é ele quem realiza a tentativa de captura e é ele quem a traz de volta para casa. Além disso, após a galinha botar o ovo, é ele quem toma a decisão de não mais matar a galinha, decisão esta que fica patente nos trechos “O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão” e “Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!” A palavra final, a decisão pelos rumos que a família vai tomar, cabe à figura paterna. O homem é o ‘cabeça’ do casal, segundo a tradição bíblica e a Lei então vigente no Brasil, cabendo a ele tomar as decisões pertinentes à família.
Além disso, se a galinha é a protagonista da história, o pai faz o papel do antagonista. É ele quem entra em choque com a galinha; é ele quem vai buscá-la quando ela empreende sua fuga; é ele quem decide que a galinha não mais será morta para servir de almoço.
A mãe ocupa um papel secundário, não merecendo um destaque maior no decorrer do conto. Sua única ação, quando o pai decide que não mais matarão a galinha e a filha o apoia, é de indiferença, que pode ser notada pelo trecho “A mãe, cansada, deu de ombros”.
É interessante a utilização do adjetivo ‘cansada’. De quê a mãe estaria cansada? O narrador, no início do conto, nos informa sobre o dia e a hora em que a história se inicia: “Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã”. Ou seja, a mãe não tivera ainda tempo para ter um dia estafante, após trabalhar na limpeza da casa ou algo assim, além de que não fora ela quem perseguira a galinha após a sua fuga, e sim o marido – este, sim, podendo estar cansado devido a falta de exercícios físicos. De onde viria esse seu “cansaço”? Provavelmente, da própria vida de dona de casa, do seu papel de mulher em uma sociedade machista, que cerceava os direitos da mulher. Da falta de propósito que permeava sua vida. Assim como na ‘vida real’, no conto a mãe ocupa um papel secundário, enquanto o marido ocupa um papel de maior destaque, proporcionado pela perseguição que empreendeu na tentativa de capturar a galinha, bem como na tomada de decisão quanto ao destino que seria dado à galinha.
A menina também ocupa um papel secundário no conto, evidenciando a posição secundária que as crianças exerciam naquele tempo – o tempo da autora, que pode coincidir com o da história. Ela apenas anuncia o fato de que a galinha pôs um ovo e, depois, concorda com o pai quando este diz que não mais matarão a galinha. Ou seja, a criança tinha consciência das coisas que se desenrolavam ao seu redor, mas não tinham voz ativa para emitir sua própria opinião. Ao perceber que a galinha havia colocado um ovo, a menina limita-se a pedir para a mãe que “não mate mais a galinha, ela pôs um ovo”, evidenciando que a decisão sobre este assunto não cabia a ela, e sim a um adulto. No entanto, a decisão final não coube à mãe, e sim ao pai, e é ele quem decide não matar mais a galinha.
A cozinheira – mais um personagem feminino que ocupa um lugar secundário no conto – praticamente não aparece na história, sendo apenas citada no trecho “o tempo da cozinheira dar um grito”, por ocasião da fuga da galinha. Além de ser mulher, a cozinheira ocupa uma posição que, ainda hoje, enfrenta certo preconceito, que é a de empregada doméstica. Convivendo diariamente com a família – chegando até mesmo a morar com ela –, mas sem fazer parte dela, a cozinheira ocupa uma posição de invisibilidade social, vivendo uma vida marginalizada, sendo lembrada apenas quando seus serviços se fazem necessários – a mesma invisibilidade social que atinge garis, mendigos e outras parcelas da população que ocupam postos ou classes sociais consideradas ‘inferiores’, não merecendo um olhar mais atento por parte daqueles que possuem um pouco mais de recursos econômicos e/ou possuem uma posição social privilegiada.
Temos, assim, a galinha como protagonista da história e o pai como antagonista. Os demais personagens – mãe, filha e cozinheira – ocupam uma posição secundária, para os quais não é dado um maior destaque.
A galinha é o único personagem ‘feminino’ que ocupa um destaque na história. A figura da galinha é usada como uma metáfora para demonstrar o papel da mulher na sociedade da época. A autora utiliza-se deste personagem para criticar a maneira como a mulher era vista e tratada, já que o conto foi publicado em 1960, época em que movimentos feministas começavam a se espalhar pelo mundo.
A maneira como a galinha/mulher é tratada pode ser vista em trechos como “Não olhava para ninguém. Ninguém olhava para ela”; “Nunca se adivinharia nela um anseio”. Até uma certa época, a mulher era tratada como se não tivesse vontade própria. Vivia sob o domínio do pai, até que um dia casava-se e passava a viver sob o domínio do marido; ao morrer o marido, o controle passava para o filho mais velho. A mulher não era olhada como um ser pensante e inteligente – assim como a galinha, normalmente considerada como sendo estúpida –, apenas como objeto de admiração por causa de sua beleza e/ou atrativos sexuais.
O mesmo ocorre com a figura da galinha. Ela não recebia nenhum tipo de atenção – “Ninguém olhava para ela”; “usando suas duas capacidades: a de apatia e a de sobressalto”. A galinha só mereceu uma atenção maior em dois momentos do conto: quando alçou voo, e a família se viu perdendo seu almoço de domingo; e quando pôs um ovo e despertou na família a ideia da maternidade.
Basicamente, o mesmo ocorria em relação à mulher. Criada para casar e ter filhos – ou seja, a mulher era vista apenas como um instrumento para procriação –, a mulher só merecia destaque quando se casava e, vestida de noiva, tornava-se o centro das atenções; e quando ficava grávida. A gravidez, por conta de aspectos religiosos impostos pelo cristianismo, era vista como algo quase sagrado, divino, quando comparada com a gravidez de Maria, mãe de Jesus.
Ao pôr o ovo, a galinha despertou nas pessoas o senso da maternidade, tornando-se “a rainha da casa”. Ao chocar o ovo, criou uma analogia com a gravidez feminina, quando o embrião ainda se encontra em desenvolvimento para se tornar um ser humano. Neste momento, todos passaram a se interessar e a se preocupar com a galinha, fazendo até com que o pai pensasse, com um certo tom de remorso, que “a obriguei a correr naquele estado!”
A importância da mulher – e da galinha – residia no fato de que a gravidez era um momento de importância, conforme se observa em um trecho do conto que diz “nascida que fora para a maternidade”. Um filho – principalmente se fosse homem – iria perpetuar o nome da família e cuidar dos negócios do pai. No caso da galinha, colocar ovos supriria as necessidades de alimentação da família e, caso o ovo fosse chocado, geraria uma nova galinha que serviria de alimento ou poria mais ovos para sustentar a família.
Neste conto, Clarice não se utiliza de um recurso que acompanha grande parte de sua obra: a epifania. De acordo com definições de Affonso Romano de Sant’Anna, a epifania seria uma “uma súbita revelação da verdade”, “o relato de uma experiência que a princípio se mostra simples e rotineira, mas que acaba por mostrar a força de uma inusitada revelação” ou, ainda, “a percepção de uma realidade atordoante quando os objetos mais simples, os gestos mais banais e as situações mais cotidianas comportam iluminação súbita na consciência dos figurantes...”.
No conto “Amor” e no romance “A paixão segundo G. H.”, por exemplo, ocorre o fenômeno da epifania, quando as personagens, movidas por um incidente banal, entram em um processo de quase ‘revelação’, até que, no final, voltam à sua vida cotidiana. Ou seja, nas histórias de Clarice, a epifania é um momento efêmero que, praticamente, não deixa marcas nas personagens, já que elas retornam ao estado inicial após este momento epifânico.
No conto “Uma galinha”, a epifania não acontece. O mais próximo que ocorre de uma epifania é quando a galinha põe o ovo e a filha diz que “Ela quer o nosso bem”. O pai, também sensibilizado por aquela situação, alega que “nunca mais comerei galinha na minha vida”, caso a galinha seja morta para servir de almoço. A mãe permanece apática diante da situação, acatando a decisão do pai sem questionar. Não se conhece a reação da cozinheira, mas, provavelmente, estaria apenas esperando, pacientemente, a decisão dos patrões para saber o que deveria fazer – matar a galinha ou providenciar outra coisa para o almoço.
Assim, em nenhum dos dois casos – a reação da menina e a do pai – ocorreu realmente uma epifania, já que não houve uma reflexão sobre a questão. Ambos apenas aceitaram a situação, movidos mais por um sentimento instintivo e inconsciente do que por uma reflexão sobre aquele instante. Em nenhum momento os personagens modificam sua visão de mundo ou chegam, sequer, a pensar sobre ela.
A galinha, durante toda a história, é descrita como “Estúpida, tímida”, “Inconsciente da vida que lhe fora entregue” ou “vazia cabeça”. No entanto, o que podemos observar é que os demais personagens da trama não agem de maneira diferente. Eles também, a seu modo, levam uma vida estúpida e tímida, e também tinham sua própria inconsciência da vida que lhes fora entregue. Assim como a galinha, mal tendo posto o ovo, “parecia uma velha mãe habituada”, movida por um instinto atávico que a levava a exercer a maternidade sem que precisasse refletir sobre ela, as pessoas que compunham a família também parecem agir de maneira inconsciente, deixando-se levar por um instinto que lhes havia sido passado pelos seus pais e que eles, por sua vez, passariam a seus filhos. A tão propalada ‘superioridade’ dos homens sobre os animais seria um mito, pois a maioria das pessoas acabam realizando suas ações mais por instinto do que por reflexões sobre a situação.   
O conto, dessa forma, serve como um momento de reflexão sobre a Vida e sobre o comportamento dos seres humanos. Reflexão esta que não parte dos personagens, que em nenhum momento se põem a pensar sobre o que está ocorrendo naquele instante. Eles apenas se deixam levar por velhos hábitos que eles mesmos não se dão conta de onde vieram. Esta reflexão deverá ser feita pelo leitor – se é que este a fará!
Sob este aspecto, o conto inteiro funciona como uma epifania, com o intuito de, partindo de um fato banal – a fuga de uma galinha que serviria de almoço e a sua subsequente maternidade –, nos fazer pensar sobre situações para as quais não damos maior importância, nos deixando levar ao sabor da corrente, uma massa humana que se guia pelo instinto, assim como os animais se deixam levar pelo instinto, cada raça agindo da mesma maneira em qualquer lugar do mundo.
O conto “Uma galinha” confunde-se, em alguns momentos, com o conceito de fábula e parábola. Fábula é uma estória que possui como personagens animais, vegetais ou minerais e tem um objetivo instrutivo. Além disso, a fábula e uma história breve”. Já a parábola tem, como personagens, homens. Tal como a fábula, a parábola tem sentido moralista, mas seu sentido não é aparente, utilizando uma linguagem figurada e com os personagens possuindo um sentido simbólico. No conto “Uma galinha”, temos um animal como personagem central – afinal, sem a galinha a estória não aconteceria –, assim como em uma fábula. E, além disso, como em uma parábola, o sentido do conto não é aparente. A galinha, assim como os demais personagens do conto, na verdade funcionam como estereótipos para exemplificar pessoas e situações reais. A família do conto representa um padrão do que seria uma família comum – no Brasil e em várias partes do mundo. A galinha funciona como uma metáfora para discutir a situação da mulher em uma sociedade machista e paternalista. Neste conto, os personagens funcionam mais como símbolos do que como pessoas reais vivenciando situações possíveis.
Diferentemente da fábula, que tem caráter instrutivo, e da parábola, cujo objetivo é moralizante, o conto de Clarice não procura instruir nem criar conceitos moralizantes – ao contrário, a exemplo de Derrida, ela parece procurar mais ‘desconstruir’ para que, no meio dos destroços, se possa encontrar a base de um novo conceito a ser discutido e pensado.
Antenada com fatos que aconteciam no mundo – Clarice foi casada com o diplomata Maury Gurgel Valente e chegou a viver quinze anos fora do Brasil, morando em cidades como Nápoles, Berna, Torquay e Washington –, Clarice presenciou movimentos culturais, políticos e econômicos que aconteciam na Europa e América do Norte, relacionando os novos pensamentos e comportamentos com a atmosfera que ainda permeava o pensamento brasileiro. Em seus textos, Clarice põe em discussão vários valores – família, situação da mulher etc. –, procurando fazer com que o brasileiro também acompanhasse esse momento de mudança e de comportamento que começava – ou continuava – a se espalhar pelo mundo.
Desta forma, podemos observar que, apesar da aparente simplicidade citada no início deste texto, o conto “Uma galinha”, bem como o restante da obra de Clarice Lispector, suscita reflexões sobre os mais variados temas: família, individualidade, maternidade, condições sociais e muitos outros.
A obra de Clarice Lispector merece ser lida e analisada pela profundidade com que trata de temas que, mesmo atualmente, ainda são debatidos sem que se consiga chegar a uma decisão satisfatória sobre o assunto. Nas suas histórias, Clarice nos mostra que das coisas mais simples podemos extrair grandes ensinamentos. Cada um de nós pode alcançar sua própria epifania.                          

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Cartas e diários: a função do narrador em “Drácula”, de Bram Stoker



Qualquer estudante de Teoria da Literatura conhece os tipos de narrador: intradiegético e extradiegético. O narrador extradiegético é aquele que não participa da história. É um narrador onisciente, que não nos revela quem ele é e nem como ficou conhecendo os detalhes da história que narra. Já o tipo de narrador intradiegético se divide em três tipos: autodiegético, quando o narrador nos conta as suas próprias aventuras, ou seja, o narrador é o personagem principal da história (um exemplo é Bentinho, o narrador de Dom Casmurro); homodiegético, quando o narrador participa da história, mas nos conta as aventuras de outra pessoa (exemplo clássico é o Dr. Watson, o narrador das aventuras de Sherlock Holmes); e heterodiegético, quando o narrador não participa diretamente da história que narra, geralmente conhecendo a história por documentos ou relatos de outras pessoas (é o caso do filme “Sempre ao seu lado”, onde o narrador é o neto do professor de música, falecido muitos anos antes de ele nascer). A maioria dos livros possui um destes tipos de narrador para desenvolver a trama que será narrada ao leitor.
Em Drácula, a obra clássica de Bram Stoker, a história é narrada por meio de cartas, diários e notas de jornal. Neste caso, não existe apenas um narrador, mas vários narradores, já que alguns personagens expressam seu ponto de vista sobre a história narrada por intermédio de suas cartas e anotações em diários. Assim, os narradores acabam se misturando e acabamos por ter a narração da história por meio de diferentes pontos de vista. Essa é uma mudança fundamental na estrutura do enredo que, normalmente, nos apresenta o ponto de vista de apenas um narrador, o qual tem o controle total sobre a história que está sendo contada. Quando existe mais de um narrador esse controle se esvai, já que diferentes narradores podem ter pontos de vista diferentes sobre uma mesma questão. Em Drácula, temos a narração da história por intermédio do diário de Jonathan Harker; das cartas e do diário de Mina Murray (noiva de Jonathan Harker); das cartas de sua amiga, Lucy; recortes de jornais; cartas do dr. Seward, diretor do sanatório, além de gravações que o mesmo faz sobre os seus pacientes; e uma gravação do dr. Van Helsing.
Embora do ponto de vista da teoria literária Bram Stoker tenha utilizado apenas um tipo de narrador, o homodiegético (já que todos os narradores participam da história, embora nenhum deles seja o personagem principal, o qual é o próprio Drácula), ele inovou com esse tipo de narração ao nos oferecer pontos de vista diferentes sobre a história que nos está sendo narrada. Este é um recurso interessante, pois temos acesso a diversas situações que estão ocorrendo em diferentes locais, às quais alguns narradores-personagens não têm acesso e, nesse caso, não poderiam ‘contar’ ao leitor o que está ocorrendo. Assim, é como se tivéssemos um narrador extradiegético, que tivesse consciência de tudo o que ocorre em qualquer lugar e com todos os personagens, nos dando uma visão global da história. Do ponto de vista estrutural, Drácula é um livro inovador, misturando conceitos e diluindo fronteiras – narrativas, espaciais etc.
Publicado originalmente em 1897, Drácula tem uma legião de admiradores, tendo diversas publicações e sendo traduzido para diversas línguas. Drácula tornou-se o representante legítimo do mito do vampiro, com todos os demais vampiros que apareceram depois dele sendo inspirados por este personagem fascinante.
Drácula é o típico caso em que um personagem supera o próprio autor (Sherlock Holmes, criado por Conan Doyle, é outro exemplo). Porém, Bram Stoker escreveu outros textos que, atualmente, encontram-se quase esquecidos, mas que também merecem ser lidos.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Ulisses: a Razão sobrepujando os desafios



A Odisseia, escrita pelo poeta grego Homero, tornou-se um dos poemas épicos mais estudados e difundidos ao longo do tempo, tornando-se um verdadeiro “clássico” da literatura, tanto em termos de cânone oficial quanto em termos de importância histórica para se entender a civilização grega e sua influência na expansão e domínio do Império Romano.
O poema trata do herói grego Ulisses, rei da pacífica ilha de Ítaca que, de uma hora para outra, se vê obrigado a tomar partido na guerra entre os gregos e os troianos, devido ao rapto da grega Helena, mulher do rei Menelau, pelo príncipe Paris, filho do rei de Troia. Terminada a guerra, Ulisses tenta voltar para Ítaca e para sua esposa, Penélope, mas uma série de situações sucedem-se, impedindo-o de retornar.
Em todas as situações, mesmo passando por perigos extremos, capazes de abalar o mais forte e valente dentre os homens, Ulisses sempre mantém-se calmo e, focalizando o problema em questão, encontra uma forma de resolvê-lo, livrando-se de uma situação, muitas vezes, mortal. A inteligência e astúcia de Ulisses sempre salvam seus marinheiros dos perigos por eles enfrentados.
Este poema épico poderia ser comparado, nos dias atuais, aos filmes em que o mocinho, valendo-se geralmente de sua bravura e força – além de armas de alta tecnologia – e, em menor grau, de sua astúcia e inteligência – excetuando-se o personagem da antiga série de tv, McGyver, que se valia de sua habilidade e inteligência para construir equipamentos que o auxiliavam a se livrar de situações de risco –, consegue escapar de todas as situações perigosas. Entretanto, longe de se constituir apenas em um “filme de ação” da antiguidade, a Odisseia representa algo que resume a civilização no seio da qual ela surgiu.
A Grécia antiga sempre foi considerada como o ‘berço’ da civilização ocidental atual. Foi lá que surgiram grandes estudiosos, sábios e filósofos, tais como Sócrates, Platão, Aristóteles e tantos outros. Aristóteles, por exemplo, escreveu a Poética, que é considerada como o primeiro tratado de Teoria da Literatura; a filosofia atual tem suas bases nas escolas filosóficas gregas. O Império Romano, um dos maiores impérios já existentes, formou-se a partir de uma imitação dos modelos utilizados pelos gregos. Sua mitologia e literatura inspiraram-se na mitologia e literatura gregas que, quando o Império Romano começou a se formar, já se encontravam em seu ápice.
Outra característica da Odisseia é que, ao contrário de outros poemas que relatavam os feitos de deuses ou semideuses, retratou os feitos de um homem comum, sem nenhum poder especial ou uma força sobre-humana, um homem que utilizava apenas a sua inteligência e astúcia e sabia esperar o momento certo para agir, sem se precipitar devido à pressa ou ao medo. Ulisses, na verdade, representava o ideal grego, onde a razão era considerada a força que devia impulsionar os homens. Diante de quaisquer desafios, mesmo diante daqueles que pareceriam incontornáveis para qualquer outro homem, Ulisses analisava a situação e, por meio de seu intelecto, procurava encontrar uma forma de resolver a situação a seu favor. Foi agindo assim que ele conseguiu vencer todos os desafios, voltar para Ítaca e recuperar seu trono e sua amada esposa.
Mais do que apenas uma bela história de aventura, a Odisseia resume o pensamento grego da época. Diante de qualquer adversidade, mesmo daquelas lançadas pelos próprios deuses, a razão seria a melhor arma para superar os desafios e sair-se vencedor.
Ulisses foi um herói. Porém, ao invés de ser um herói que realizou grandes feitos físicos – como Hércules e seus doze trabalhos, por exemplo –, foi um herói que se valeu da inteligência para alcançar seus objetivos. Mais do que um homem, Ulisses representa o ideal que os grandes pensadores gregos pretendiam alcançar.     

terça-feira, 30 de outubro de 2012

A difícil questão entre o moral e o legal



Neste fim de semana, aconteceu uma situação no jogo Internacional x Palmeiras que faz com que pensemos a situação brasileira, não só no futebol, em época de Copa do Mundo, mas também no cenário político, já que presenciamos muitas situações ilegais ocorrendo a cada momento. Voltando ao lance em questão, vale lembrar, inicialmente, que a FIFA, a manda-chuva do futebol mundial, proíbe terminantemente o uso de quaisquer recursos eletrônicos que possam influenciar no andamento do jogo, exceção feita ao aparelho de comunicação utilizado pelo árbitro e pelos seus auxiliares.
No jogo entre Internacional x Palmeiras, o atacante Barcos, do Palmeiras, fez um gol com a mão. O árbitro, entretanto, não viu a irregularidade e validou o gol. O mesmo fizeram o bandeira e o auxiliar na linha de fundo. Os jogadores do Internacional reclamaram e, na confusão, o árbitro foi avisado, pelo delegado da partida (o qual, diga-se de passagem, não faz parte da equipe de arbitragem e, portanto, não pode interferir no jogo), de que o gol realmente havia sido feito com a mão. Entretanto, aparentemente, o delegado recebeu a informação por intermédio de uma repórter da tv Bandeirantes que se encontrava à beira do gramado e foi informada pelo comentarista do jogo. Diante disso, o árbitro voltou atrás na decisão e anulou o gol, sem, contudo, dar cartão amarelo para o atacante palmeirense, o que seria o mais acertado.
Resumindo: apesar da proibição da FIFA de se utilizar qualquer recurso eletrônico, o árbitro do jogo se valeu de uma informação recebida de alguém que não faz parte da equipe de arbitragem para anular o gol do Palmeiras.
O Palmeiras, agora, pede a anulação do jogo baseado no fato de que o meio utilizado para invalidar o seu gol foi ilegal. Isso me faz lembrar de um caso, ocorrido nos Estados Unidos, em que um traficante de drogas teve sua casa invadida pela polícia. Na casa, foi encontrada uma grande quantidade de drogas e o traficante foi preso. No julgamento, seu advogado alegou que a invasão fora ilegal, pois os policiais não estavam munidos de um mandato de busca e apreensão. Assim, o traficante, mesmo sendo culpado, foi solto pelo fato de que as provas recolhidas contra ele foram obtidas de modo ilegal.
O mesmo se aplica ao gol de mão do Palmeiras. Moralmente, a anulação do gol foi correta, já que o gol foi feito de forma irregular. Porém, a maneira como o gol foi anulado também foi feita de modo ilegal, já que ninguém da equipe de arbitragem havia percebido a irregularidade e havia validado o gol, a princípio. A “prova” da irregularidade foi obtida por meio de uma repórter, utilizando o recurso da televisão, recurso este proibido pela FIFA.
Entretanto, em um país onde presenciamos, todos os dias, várias irregularidades, praticadas por políticos, na sua maioria, mas também pelo cidadão comum – que reclama da roubalheira dos políticos, mas que sempre tenta “levar vantagem” em tudo –, esse caso deve ser mais um para entrar no rol dos casos em que, apesar de uma irregularidade comprovada, a coisa toda vai acabar em pizza – e, no caso do Palmeiras, time fundado por italianos, nada mais apropriado.
Na época em que Lula era presidente, presenciamos vários casos comprovados de ROUBOS praticados por pessoas próximas a ele. Porém, Lula alegava que não sabia de nada e a coisa ficava por isso mesmo. Vimos, recentemente, várias pessoas sendo julgadas no caso do Mensalão. Se o julgamento fosse, realmente, sério, e não apenas uma tentativa de se mostrar que está sendo feita alguma coisa para moralizar o país, Lula deveria estar entre os acusados e deveria ser condenado por omissão, no mínimo.
Entretanto, em um país onde praticar atos ilegais já virou rotina, o uso ilegal da tv para anular o gol do atacante Barcos acabará sendo logo esquecido. E vamos em frente que a Copa está chegando.           
Contrariando o comercial da Brahma, vou deixar o otimismo imbecil de lado e vou dizer, a plenos pulmões: IMAGINA NA COPA!!!

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A cultura do capitalismo - desejo induzido



Nunca se produziu tanta “arte” e nunca surgiram tantos “artistas” quanto atualmente. Escritores, pintores e músicos proliferam em todos os cantos do globo. Entretanto, a qualidade do que nos é apresentado vem caindo vertiginosamente, nos fazendo repensar o conceito de arte. Afinal, o que nos tem sido atirado ao rosto todos os dias realmente é arte?
No mundo capitalista, a arte passou a ser apenas mais um item de consumo e, como tal, deve ser consumida rapidamente para rapidamente ser descartada, cedendo seu lugar para uma “nova” arte. Desta forma, temos “o sucesso do momento”, “a música do verão”, “o hit da estação”, apregoados por apresentadores de rádio e televisão, garotos-propaganda que são pagos para venderem um “produto”. E as pessoas, sem pensar no que estão lhes dizendo, “compram” o produto que lhes é oferecido. Assim, por intermédio de uma propaganda massiva veiculada em várias mídias, as empresas nos dizem o que devemos desejar.
Antigamente, a demanda por produtos era o que guiava a oferta. Os desejos dos consumidores geravam produtos que atendessem a esses desejos. Atualmente, as pessoas aprendem na tela da TV ou do computador o que devem desejar. Desta forma, quem antes era sujeito torna-se agora objeto.
Nem mesmo a cultura escapou a este processo. Passando a ser apenas mais uma mercadoria, assim como eletrônicos e roupas, os “produtos” culturais têm de ser consumidos de forma rápida. Livros e filmes, tão logo sejam assistidos, devem ser esquecidos para serem substituídos por outros livros e filmes que são diferentes apenas na aparência.
A cultura passou a ser usada como produto e agente do capitalismo. Os sujeitos, agora transformados em objetos, são alienados para que, por meio do “consumo” da “cultura”, possam livrar-se das tensões, frustrações e do esgotamento do dia-a-dia para que, revigorados, possam, no dia seguinte, trabalhar de forma mais produtiva para dar mais lucro ao seu patrão. Não é à toa que as empresas, cada vez mais, patrocinam “atividades culturais”. E, nesse caso, passa a ser considerado “arte” qualquer coisa que caia no gosto do público. Os “espetáculos” passam a ser uma catarse coletiva onde todos liberam suas frustrações, receios e raivas.
Assim, esgotado e refeito, o trabalhador não questiona a maneira pela qual está sendo usado. Apenas aguarda, ansioso, pelo próximo fim de semana, o qual trará um novo “show” onde ele poderá exorcizar suas novas frustrações e angústias.     

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Cansei de ser politicamente correto



O brasileiro adora modas! Sempre que aparece alguma moda nova, ele não para pra pensar se essa moda é válida ou não: ele simplesmente a abraça, como um náufrago abraçaria um tronco flutuando no meio do oceano. E a moda, agora, é o politicamente correto. Todos vivem se policiando para não deixar escapar alguma expressão ou atitude que possa ser considerada ‘politicamente incorreta’.
O ‘politicamente correto’ começou como uma tentativa de se evitar algumas atitudes reprováveis, como são os casos de racismo e de homofobia, entre outras. Porém, essa atitude acabou sendo levada ao extremo, ocasionando alguns exageros. Vemos, atualmente, muitas imbecilidades serem praticadas, protegidas pelo rótulo de “politicamente corretas”.
É óbvio que devemos evitar, a todo custo, casos de discriminação e preconceito. Porém, não podemos deixar que isso vire uma obsessão e que passemos a ver ‘discriminação’ e ‘preconceito’ em tudo. Determinadas palavras passaram a ser consideradas pejorativas, e seu uso passa a ser considerado preconceito ou discriminação. A língua passa a ser tratada como vilã, quando está apenas a serviço dos seus falantes.
O que precisamos compreender é que as palavras foram criadas para exprimir estados, impressões e sensações, bem como para designar objetos – reais ou imaginários. Em todas as línguas, encontramos o fenômeno da polissemia, quando uma mesma palavras adquire vários significados, algumas vezes, opostos. Na Língua Portuguesa, várias palavras adquiriram, ao longo do tempo, um sentido pejorativo. É o caso da palavra ‘medíocre’ que, no início, designava algo comum, que estava na média. Atualmente, a palavra tem sido utilizada com o significado de algo ‘ruim’, de ‘má qualidade’.
O mesmo vale para as palavras ‘preto’ e ‘negro’, designando pessoas que, atualmente, estão sendo rotuladas como ‘afrodescendentes’. Tanto negro como preto não são, necessariamente, palavras pejorativas. O sentido que se passou a dar a elas é que as tornaram pejorativas. Substituir estas palavras por ‘afrodescendentes’, a princípio, não altera nada. Uma pessoa racista não deixará de sê-lo apenas porque não pode mais dizer ‘negro’ ou ‘preto’.
O que tem que ser mudada é a mentalidade das pessoas. No Brasil, anos após a escravidão, os negros ainda não foram incorporados à nossa sociedade. Foram libertados para continuarem sendo párias, assim como no tempo da escravidão.
Politicamente correto não é ser proibido de dizer uma palavra, mas dar condição de vida digna a todos os cidadãos do país, sejam eles mulheres, negros ou homossexuais. É considerar todas as pessoas como sendo, realmente, iguais, e não apenas ver isso como um preceito religioso ou uma prescrição da Lei, mas que não tem nenhuma validade. É mudar a mentalidade das pessoas, não por meio de leis – que apenas impedem a manifestação pública do preconceito e da discriminação, mas que não os eliminam realmente –, e sim por meio de uma educação que mereça esse nome (o que não ocorre com a tão propalada “educação” brasileira).
Para alguém preconceituoso, ‘afrodescendente’ passará a ser utilizada como uma palavra pejorativa. E cada nova palavra inventada será utilizada da mesma maneira.
Roland Barthes dizia que a linguagem é fascista. Mas, na verdade, fascistas somos nós, que utilizamos a linguagem para expressar os nossos mais sórdidos sentimentos e ações. Pessoas e grupos que reclamam quando estão sendo oprimidos, passam a oprimir quando têm a oportunidade. Todo mundo tem um pouco de Hitler.
No final das contas, tudo não passa apenas de uma disputa pelo poder. E, nesse caso, voltamos a Barthes, que reconhecia que quase nada estava fora do poder. Nem mesmo a linguagem!   

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Literatura: ficção ou reflexo da realidade?



Pode a literatura explicar ou refletir a sociedade na qual ela está inserida, com todos os seus movimentos históricos, com todas as mudanças pelas quais as sociedades evoluem, ou a literatura apenas conta uma história que nada tem a ver com a HISTÓRIA, algo completamente fora de contexto, uma ficção no mais estrito sentido da palavra?
O desenvolvimento das ciências sociais, as quais passaram a se utilizar de métodos de análise tão rigorosos quanto os das ciências naturais, abriu um vastíssimo campo de estudos sobre diversas áreas. Dentre elas, a literatura passou a ser analisada como algo mais do que apenas histórias oriundas da imaginação de um escritor, mas como algo mais profundo, uma representação e/ou reflexo do real, uma maneira distorcida de se perceber a realidade, um espaço de crítica e várias outras tentativas de definição que, antes de definir, abrem mais espaço à especulação. Contudo, é inegável o impacto que a literatura, em geral, e alguns livros, em particular, têm sobre as sociedades. Por isso, a literatura acabou merecendo uma atenção à parte, sendo interpretada por meio de diversas tendências ao longo do tempo, à medida que as ciências sociais evoluíam. Livros passaram a ser analisados e a ser criticados de uma forma cada vez mais detalhada e com métodos cada vez mais precisos. A análise, ou crítica literária, estava começando a tornar-se uma ciência.
O livro, enquanto criação, é algo meramente subjetivo. Há alguém que o escreve e alguém que o lê. E, nesse diálogo, abre-se um imenso leque de interpretações que dependem do olhar que cada leitor lança sobre a obra. Contudo, sem deixar de lado interpretações pessoais, não podemos ignorar os novos olhares e compreensões que passamos a ter de campos como a História, a Psicanálise, a Linguística, a Biologia, a Sociologia etc. O avanço nesses campos permitiu que pudéssemos utilizá-los para – além de procurar entender o ser humano, individual e coletivamente – analisar a literatura e como ela se insere no nosso psiquismo e nas nossas relações interpessoais – seja refletindo ou inventando a realidade.
Essas ciências acima citadas auxiliaram no embasamento do que se convencionou chamar de métodos críticos. Dentre eles, temos: a crítica genética, a crítica psicanalítica, a crítica temática, a sociocrítica e a crítica textual. Esses métodos ora se afastam ora se aproximam, utilizando-se de elementos uns dos outros para compor um painel mais abrangente desse algo ao mesmo tempo simples e complexo que é a literatura. Como o próprio homem, aliás.
Eu poderia desenvolver uma comparação entre os diversos métodos na tentativa de encontrar os limites onde eles se encontram e se interpenetram. Porém, este tipo de trabalho se tornaria por demais longo e exaustivo, se prestando melhor a uma tese ou um livro. Assim, decidi-me a me ater apenas à sociocrítica.
Sociocrítica é um termo relativamente recente que serve para designar uma ideia antiga. A partir do momento em que as ciências sociais começaram a surgir e a se firmar como tais, começaram a refletir sobre as realidades socioculturais, tanto dentro de um mesmo espaço (cidade, país) quanto em espaços diferenciados. Além disso, essa análise passou a ser realizada tanto de forma sincrônica quanto diacrônica (e aqui há um paralelo com a linguística).
A mudança de mentalidade que ocorreu em virtude de diversos fatores que revolucionaram o modo de agir e de pensar – Iluminismo, descobrimento da América, Revolução Francesa etc. – fizeram com que a sociedade se transformasse, abrindo espaço para novas possibilidades e criando necessidades até então desconhecidas. A literatura anunciava e prenunciava essas mudanças sociais, participava dos acontecimentos ao invés de se manter à margem. A literatura, conforme dizia Madame de Staël, passara de ser arte para ser arma. O que combina com a máxima que diz que a pena é mais forte que a espada. A arte, antes vista como algo abstrato, passou a ser um produto da História (produto, enquanto refletia os movimentos sociais; produtora, quando atuava de modo a modificá-los). A produção literária assumiu um caráter de diálogo entre o autor e o leitor. Cabia à sociocrítica analisar o autor e a obra, não como divindades em seus Olimpos, mas como elementos participantes do diálogo com seu público. Para apoiar essa ideia, podemos recorrer à Claude Duchet quando este nos diz que a sociocrítica visa ao próprio texto como espaço onde se desenrola e se efetiva uma certa socialidade.
O Iluminismo e a Revolução Francesa, principalmente, tornaram a noção de política como algo que fazia parte do cotidiano das pessoas, e não como algo pertencente apenas a uma pequena classe de privilegiados. A filosofia, por exemplo, teve que rever seus conceitos de disciplina meramente especulativa, tornando-se uma disciplina política e atuante. Ou seja, de uma filosofia baseada em Platão, voltada para abstrações, passou-se a uma filosofia mais aristotélica, baseada no empirismo, analisando as coisas como elas se apresentam ao mundo. A própria visão de ‘homem’ passou por mudanças, substituindo-se a visão religiosa por uma visão do homem como um ser ativo social e historicamente, um elemento provocador de mudanças por meio de sua influência no meio no qual está inserido. Esse homem passou a se questionar sobre o seu lugar e propósito no mundo. Da mesma forma, a literatura passou a ser questionada sobre sua utilidade e o seu significado. Percebeu-se que a literatura altera-se de acordo com as mudanças da sociedade, adapta-se às mudanças no pensamento e nas ciências. A literatura segue o curso da História, de um modo diacrônico, adaptando-se às configurações que vão se sucedendo. Mas a literatura não é uma simples documentação de fatos históricos – para isso existe a História. Ao mesmo tempo que ela reflete, ela também constrói, também inventa.
Nesse ponto, vale ressaltar a importante contribuição das ideias de Karl Marx. O marxismo procurava explicar os acontecimentos históricos por meio das relações sociais e da luta de classes, e a literatura não escapou a essa ótica. Para o marxismo, “a literatura e a cultura deveriam ser repensadas como efeitos e como meios de uma última instância econômico-social”. Isso porque, segundo eles, “a literatura não é apenas uma prática restrita aos grandes escritores. Ela é também um mercado e uma prática extensiva”.
Entretanto, preso a essa visão reducionista onde as relações econômicas tornavam-se o foco central de sua análise, o marxismo que executava suas primeiras leituras ficava bitolado a uma análise desprovida de um rigor científico. Posteriormente, a interpretação marxista buscou auxílio no campo da semiótica literária e da psicanálise, o que abriu um novo leque de possibilidades.
É, de fato, inegável que o meio exerce uma forte influência sobre o trabalho literário. Quando escrevem, os autores refletem a sua época, a sua classe social e o pensamento dominante. Escritores que consideramos ‘machistas’, por exemplo, estavam simplesmente espelhando a condição da mulher à época, quando o conceito de ‘machismo’ sequer existia. O mesmo é válido para o preconceito racial e para a homofobia. Mas também é inegável que muitos escritores mantêm-se à parte de determinados acontecimentos de sua época, muitas vezes por não perceberem a importância que aquele fato terá futuramente. É o que ocorreu com os acontecimentos de 1968 em Paris, Praga e México. O ano de 68 foi emblemático e está tendo reflexos até hoje. Recentemente, foram lançados diversos livros sobre o tema, no Brasil e no mundo. Entretanto, 1968 não está na literatura de 1968. Apesar de todos os protestos (especialmente os de Paris, em maio) e passeatas, 1968 não fez parte da literatura da época. Posteriormente, com os seus reflexos aparecendo aqui e ali, começou a figurar na literatura, culminando na enxurrada de livros que têm sido escritos atualmente. Só muitos anos depois percebeu-se a influência que aquele ano teve para o mundo. Na época, contudo, enquanto o processo histórico ainda estava se desenrolando, isso passou despercebido.
Existe, também, um processo de vislumbre de um processo histórico que ainda está se desenrolando e projetá-lo para o futuro. Alguns autores, analisando fatos históricos recentes, cujos efeitos ainda estão começando a se fazer sentir, projetam um futuro decorrente daquele momento. É o que acontece em livros como “A revolução dos bichos”, de George Orwell, e “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley. Analisando aquele momento histórico, eles projetam os seus efeitos em um determinado período de tempo, muitas vezes alcançando uma precisão inacreditável nas suas previsões.
Há, ainda, a análise sobre um fato histórico que não ocorreu. É o que acontece em livros como “O homem do castelo alto”, de Philip K. Dick. Nesse livro, o autor imagina como seria o mundo se a Alemanha e o Japão tivessem vencido a 2ª Guerra Mundial. É um interessante jogo especulativo que mostra o que poderia ter acontecido se a história tivesse tomado outro rumo.
Temos, nesse último exemplo, uma tentativa de ler nossa própria história. O exemplo de 1968, ao contrário, demonstra a nossa incapacidade de ler a história no momento em que ela está acontecendo – temos, como exemplo, as revoluções comunistas, que acabaram se tornando regimes totalitários.
A sociocrítica, longe de ser apenas um método crítico, é uma maneira de descobrirmos a nossa relação com o outro e com o mundo. Uma maneira de entendermos nossa própria influência dentro de um contexto histórico sempre sujeito a mudanças. E nós, participantes desse contexto, mudamos junto com ele. Somos como Alice, de Lewis Carrol, quando ela reclama: “nunca tenho certeza do que eu vou ser de um minuto para o outro!”.         
     

sábado, 15 de setembro de 2012

A literatura e a escola



A literatura sempre exerceu uma grande influência no pensamento e comportamento humanos ao longo do tempo. Várias obras retratam com fidelidade os usos e costumes de uma época. Ler alguns romances equivale a ler um livro de História. Por esse fato, a literatura passou a ser uma disciplina do Ensino Médio, sendo também utilizada, em menor grau, no Ensino Fundamental. Além disso, é matéria obrigatória no curso de Letras. Porém, devemos analisar como essa disciplina vem sendo praticada nas nossas escolas.
Atualmente, o ensino de literatura se restringe a um “decoreba” de nomes de autores, obras e escolas literárias. O aluno tem de decorar qual obra iniciou determinado período e qual obra finalizou-o; quais as características desse período; os principais autores e as datas de lançamento de suas respectivas obras. O professor faz um resumo das principais obras, citando os personagens principais e alguns secundários que possuem relevância na história. De posse destas informações, o aluno é considerado apto para fazer uma prova.
Mas, e a obra em si? Basicamente, os alunos aprendem os nomes de vários autores e de suas respectivas obras, porém, geralmente não lê nenhuma delas. Conhece “por alto” a história de um determinado romance, mas nunca o lê por inteiro. O aluno acaba não desfrutando do prazer de ler um livro. Consequentemente, esse aluno acabará por não se tornar um leitor.
A maioria dos leitores, quando lê um livro, não o faz com o objetivo de analisá-lo em suas estruturas mais intricadas e profundas, mas sim pelo exclusivo prazer de desfrutar de uma boa história, assim como ele faz quando assiste a um DVD. O leitor comum não precisará, em sua vida futura, de conhecer movimentos literários e suas respectivas características. É claro que, em alguns casos, esse conhecimento auxiliará o leitor a compreender melhor a obra em questão, mas isso não é uma condição ‘sine qua non’. O leitor não precisa ser um profundo conhecedor de História do Brasil para compreender, por exemplo, “O guarani” ou “O cortiço”.
Ao invés de se preocupar em ensinar questões externas à obra, o professor de literatura deveria, primeiramente, ensinar o aluno a gostar de ler e, para isso, deveria incentivá-lo (eu disse incentivá-lo, não obrigá-lo) a ler algumas obras e, posteriormente, discuti-las em sala de aula. Contudo, a discussão deveria ficar restrita à história narrada na obra. Questões ligadas à sua estrutura devem ficar a cargo dos estudiosos de literatura (professores, críticos etc.), e não do leitor comum.
É importante revermos nossos conceitos e objetivos. Ouvimos muitas pessoas ligadas à educação dizerem que os alunos de hoje não leem mais. Porém, muitos não leem por não receberem o incentivo adequado. As aulas de literatura, com sua enxurrada de nomes de autores, nomes de obras, escolas literárias e datas, acabam por afastar o aluno dos livros, ao invés de aproximá-los.      
    

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A intolerância de quem diz pregar a tolerância



O Cristianismo é uma religião cuja doutrina, pregada por Jesus, entre outras coisas, prega a não-violência e a tolerância para com o próximo. Entretanto, o que se observa nos autoproclamados cristãos, é uma total falta de tolerância para com aqueles que apresentam um pensamento diferente do deles. Observamos isto na intolerância que apresentam com quem segue uma religião diferente, como o Espiritismo ou o Budismo, por exemplo, ou com aqueles que se confessam ateus.
Outra prova de intolerância refere-se às artes, em geral. Livros, filmes ou peças de teatro que apresentam uma temática religiosa, geralmente causam polêmica, o que só contribui para aumentar o interesse pela obra em questão.
É comum vermos as pessoas clamando por LIBERDADE, DEMOCRACIA e LIBERDADE DE EXPRESSÃO. Porém, essas palavras só valem quando o pensamento dos outros se coaduna com o nosso. Quando alguém pensa diferente, costumamos ter atitudes fascistas, bem ao estilo de Hitler ou Mussolini, e tentamos cercear o direito que aquela pessoa tem de se expressar livremente.
Temos visto isto com frequência nas redes sociais. Um exemplo recente é o que foi lançado no Facebook. Segundo o autor da mensagem, o comediante Renato Aragão irá lançar um filme onde ele aprece como o segundo “filho de Deus”, que vem completar a missão iniciada por Jesus (veja a foto). Os “cristãos” se sentiram afrontados e pedem que se “denuncie” esta afronta.
Em primeiro lugar, foi o próprio Jesus quem aconselhou que, quando fôssemos ofendidos, oferecêssemos a outra face. Mas o que vemos aqui, na verdade, é um “bateu, levou”. Em segundo lugar, será que essas pessoas que “se dizem cristãos” realmente o são? Será que elas seguem os mandamentos do Cristo? Jesus pregou a não-violência, mas vemos “cristãos” que são fãs de filmes violentos, os chamados filmes de ação, e de MMA (muitos lutadores, inclusive, se dizem cristãos, e depois arrebentam um outro cara no octógono). Jesus também pregava contra a promiscuidade, mas os “cristãos” assistem a filmes pornôs e transam com quem aparece pela frente (às vezes, até com quem aparece por trás).
Resumindo: clamamos por liberdade, mas tentamos cercear a liberdade de quem pensa diferente. Queremos impor a todos o nosso pensamento, ignorando que as pessoas possuem diversidade de ação e de pensamento. Só falta os “cristãos” voltarem a queimar livros e pessoas nas fogueiras da Inquisição, como a Igreja Católica fazia no passado.
Cada um tem direito a sua crença e ao seu pensamento. Se queremos ter os nossos direitos respeitados, devemos começar dando o exemplo e respeitar o pensamento do próximo.
Provavelmente, é o que Jesus iria fazer!         
 

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Pensar, nem pensar!




Pensar, nem pensar!
Nos dias atuais, esse passou a ser o pensamento (ou o não-pensamento) dominante. Afinal, pensar pra quê? Temos a televisão e a Internet para nos dizerem tudo o que devemos saber; a moda que nos diz o que devemos vestir; as rádios que nos dizem que música devemos ouvir.
Portanto, pra quê pensar?
Pra quê vou analisar se a música que estão me mandando ouvir é boa ou não? Se estão dizendo que é boa, é porque deve ser mesmo! Se me mandam vestir uma determinada roupa, por quê vou me preocupar se ela fica bem ou não em mim? Visto logo de uma vez e estou na moda! Por quê me preocupar com a qualidade dos programas que passam na televisão? Se a tv os exibe, eu os assisto!
Quando perguntamos para algumas pessoas por que elas vestem determinada roupa, ouvem uma determinada música ou assistem a um determinado programa, geralmente ouvimos a mesma resposta: “Todo mundo faz isso!”.
E esse é o problema! Fazemos coisas porque “todo mundo faz”. Se todos os meus amigos usam piercing, por quê só eu não uso? Vou lá e coloco um também (às vezes, até mais de um). Não paro para pensar se eu gosto ou não de piercing, se eu realmente quero usar um piercing ou não. Uso porque “todo mundo” está usando.
A necessidade de fazer parte, de ser aceito em um grupo, nos tira a capacidade de pensar. Faço porque todos fazem. Agimos como os animais que andam em grupo e que se comportam do mesmo jeito, sincronizadamente. Todos andam ao mesmo tempo, comem ao mesmo tempo, bebem água ao mesmo tempo, dormem ao mesmo tempo. Observando alguns grupos humanos (e não apenas de adolescentes, grupos de adultos também), nos perguntamos em que eles são diferentes de um grupo de zebras, leões, gnus ou búfalos. As manadas (sejam de que espécie for, inclusive humana), no geral apresentam os mesmos comportamentos, que só diferem em algumas particularidades (todos os leões caçam zebras do mesmo jeito; todas as zebras fogem dos leões do mesmo jeito).
As manadas humanas, quer estejam caçando, quer estejam sendo caçadas, quer estejam apenas passeando pelas nossas savanas de concreto, agem do mesmo jeito. E assim como uma zebra não pensa por quê come, apenas o faz quando todas as demais zebras do grupo o fazem, nós também nos deixamos levar pelo comportamento da manada à qual pertencemos.
Faço porque todos fazem! – esse é o lema. Não questiono, não analiso, não perquiro, não pergunto. Não penso se aquilo, realmente, é o que quero fazer, se é o melhor a fazer. Faço porque todos fazem e pronto!
Pensar dá muito trabalho. Exige conhecimento, discernimento e nos torna responsáveis pelo caminho escolhido. Ao nos entregarmos à cadência da manada, transferimos aos outros a responsabilidade sobre nossos atos.