sexta-feira, 20 de junho de 2014

Grupo da “morte” ou grupo da “vergonha”?



O grupo “D”, antes de a Copa começar, foi qualificado como sendo o “grupo da morte”. Nele estavam 3 seleções campeãs mundiais: Inglaterra (1 título, em 1966), Itália (4 títulos, em 1934, 1938, 1982 e 2006) e Uruguai (2 títulos, em 1930 e 1950). Ao todo, 7 títulos mundiais. Completando o grupo, a Costa Rica, que está disputando apenas a sua 4ª Copa do Mundo e que não possui tradição no futebol, era o candidato lógico a “saco de pancadas” do grupo. No entanto, o “saco de pancadas” acabou batendo, ao invés de apanhar.
Na estreia, a Costa Rica derrotou a seleção uruguaia por 2X1; no segundo jogo, venceu a poderosa seleção italiana por 1X0. o “saco de pancadas” acabou sendo a Inglaterra, que perdeu para Itália e Uruguai, foi eliminada na 2ª rodada e se notabilizou apenas pelas reclamações por ter de jogar no calor de Manaus, no que parecia ser uma desculpa antecipada para um possível fracasso – o que, de fato, aconteceu.
A Costa Rica garantiu uma das vagas do grupo, para a próxima fase, antecipadamente, deixando a briga pela outra vaga para ser decidida no confronto entre Itália e Uruguai. A Costa Rica ainda pode ser a primeira colocada do grupo, bastando empatar com a fraca e já eliminada Inglaterra, no seu último jogo.
Em um grupo com 3 campeãs mundiais, a melhor seleção acabou sendo a que, teoricamente, era a mais fraca. A Inglaterra foi simplesmente ridícula; Itália e Uruguai foram mais garra do que técnica; a Costa Rica, com um futebol envolvente e sólido, jogou como se ela fosse a campeã mundial e as outras três, as “zebras”.      

quinta-feira, 12 de junho de 2014

A violência objetiva e subjetiva em Dois Irmãos, de Milton Hatoum



Dois Irmãos, de Milton Hatoum (São Paulo: Companhia das Letras, 2006), é um romance que trata da relação tumultuada entre os irmãos gêmeos Yaqub e Omar, os quais protagonizam atos de discórdia e vingança que os persegue durante toda a vida, desde a infância até a maturidade. O autor remete-nos ao mito bíblico da inimizade entre os irmãos, Caim e Abel, gerada pela inveja e que culmina em violência, com a morte de Abel perpetrada por Caim. A obra de Hatoum “conversa” com a de Machado de Assis, Esaú e Jacó, que também narra uma história de discórdia e violência entre dois irmãos.
Entretanto, a violência entre os irmãos de Hatoum leva-nos a pensar em situações que vão além da simples discórdia que separa os gêmeos. Como imagens em um espelho, os irmãos geram imagens distorcidas, mas que, ao final, mesclam-se no fim dado aos dois personagens: a solidão e o afastamento dos que lhes eram mais próximos. Assim, Hatoum nos leva a refletir sobre os opostos que, no final, acabam por equiparar-se. Além disso, mais do que retratar uma simples questão familiar, o escritor amazonense nos remete, por meio de alegorias, ao ambiente social reinante em um país que ainda procurava sua identidade, assim como ao clima que se instaurou no Brasil com a implantação da ditadura militar e toda a violência, física e ideológica, que a seguiu, explicitado pelo exemplo abaixo:

“Laval foi arrastado para um veículo do Exército, e logo depois as portas do Café Mocambo foram fechadas. Muitas portas foram fechadas quando dois dias depois soubemos que Antenor Laval estava morto. Tudo isso em abril, nos primeiros dias de abril”. (HATOUM, 2006, p.142)

Temos, por exemplo, o episódio em que Yaqub foi mandado para o Líbano, em uma espécie de exílio forçado, o que os remete aos exílios – infligidos ou autoimpostos – impetrados pelo regime militar, o que obrigou muitos políticos e artistas a se refugiarem em outros países, até que lhes fosse concedida anistia. Essa foi uma violência cometida contra Yaqub, que não queria ir para o país de seus ancestrais e que acabou sendo enviado como uma espécie de punição pelas brigas que tinha com o irmão, como se observa no trecho

“Tinha sido horrível. Fui obrigado a me separar de todos, de tudo... não queria” (HATOUM, 2006, p. 86).

Preterido pela mãe, Yaqub sentiu-se injustiçado, uma vez que a seu irmão, com quem ele brigara, não foi imposto tal castigo, como se vê na passagem abaixo:

“Zana culpava Halim pela falta de mão firme na educação dos gêmeos. Ele discordava: “Nada disso, tu tratas o Omar como se ele fosse nosso único filho”.” (HATOUM, 2006, p.22).

A questão do preconceito social, que não deixa de ser uma forma de violência, também nos aparece em algumas passagens da obra, como é o caso do próprio narrador da história, Nael, que é filho de uma índia que supostamente foi estuprada por Omar. Além da violência física e psicológica causada por um estupro, temos aí um episódio com implicações mais profundas: a violência causada pelo colonizador branco sobre o índio colonizado. Assim como os portugueses, que se tornaram colonizadores de uma terra que não lhes pertencia, Omar é filho de imigrantes libaneses, estrangeiros que para cá vieram e por aqui ficaram, e que se sobressaíram economicamente sobre a população nativa, tornando-se grandes proprietários de terras e comércios, acumulando e concentrando riquezas, principalmente com a exploração da borracha. O caboclo nativo, tratado como indolente e inferior culturalmente, acabava sendo vítima da exploração dos donos de seringais, uma vez que seu trabalho chegava a ser, praticamente, um trabalho escravo.
Outra alegoria que ocorre entre os dois irmãos é o embate entre razão e emoção, racionalidade e sentimento. Yaqub é o irmão frio e calculista que, durante anos, acumula e alimenta o seu ódio contra Omar até conseguir sua vingança contra o irmão. Já Omar representa o lado emocional, aquele que se deixa levar pelos sentimentos, sem disfarçá-los e sem se preocupar com os sentimentos das outras pessoas, principalmente com os do irmão e das pessoas que a ele lhe pareciam inferiores, baseado na educação patriarcal que recebera da mãe.
Esta situação retrata a própria situação pela qual o Brasil estava passando – e, de certa forma, ainda está. Ao lado de promessas de progresso e modernização do país, caracterizadas pelo primogênito Yaqub, temos o comportamento “antiquado” e provinciano caracterizado por Omar. Enquanto Yaqub obtém diploma superior e deixa a província em direção a São Paulo, centro muito mais desenvolvido e considerado o “motor” do Brasil, Omar não chega a cursar uma faculdade e se deixa ficar na rede, dormindo após as noites de farra. Temos, aí, uma crítica a própria situação do país, com suas imensas desigualdades, tanto nos campos social e econômico quanto no da educação. O irmão no Sul representa o progresso e a modernidade prometidas ao país, enquanto o irmão que ficou no Norte representa o atraso e o provincianismo que ainda imperava em grande parte do Brasil: o Sul, mais adiantado culturalmente e tido como trabalhador, contra o Norte, atrasado e “preguiçoso”.
Apesar de possuir algumas cenas de violência direta, como as brigas entre Yaqub e Omar, como a citada na passagem

“Depois, o barulho de cadeiras atiradas no chão e o estouro de uma garrafa estilhaçada, e a estocada certeira, rápida e furiosa do Caçula” (HATOUM, 2006, p. 22),

além do suposto estupro da índia, mãe de Nael, Dois Irmãos relata cenas de violência bem mais sutis. Mais do que apenas um confronto entre dois irmãos, o embate entre Yaqub e Omar retrata vários aspectos que, ainda hoje, estão presentes no Brasil: a enorme desigualdade econômica entre ricos e pobres; as diferenças educacionais entre as classes; a modernização de algumas regiões em contraste com o atraso de outras.           



Referência

HATOUM, Milton. Dois Irmãos. Companhia das Letras, 2006.