quarta-feira, 25 de abril de 2012

A Torre Negra e o mistério do Tempo


“O homem de preto fugia pelo deserto e o pistoleiro ia atrás”.
Assim começa o que poderia ser chamado de ‘a obra-prima’ de Stephen King, a série “A Torre Negra”, uma saga escrita em sete volumes. Nesses livros King narra a saga de Roland de Gilead, um pistoleiro que tem por objetivo encontrar a torre negra do título. Para alcançar o seu intento, Roland busca a ajuda de três improváveis companheiros: uma negra paralítica, um viciado em drogas e um garoto de 12 anos. O que há de tão improvável em se procurar a ajuda de um grupo tão heterogêneo quanto esse? Cada um vem de uma época diferente e vai iniciar sua jornada em um mundo onde o tempo fragmentou-se, misturou-se e onde flui de uma maneira mais rápida. A Torre Negra poderá ser a salvação do tempo. Ou a sua perdição. Ninguém sabe o que irá acontecer com a realidade quando os feixes que se ligam à Torre Negra se romperem – e é o rompimento desses feixes que está ocasionando a mudança no tempo.
Essa obra de Stephen King possui diversos elementos distanciados no tempo e no espaço: os pistoleiros do oeste americano; cavaleiros da Idade Média; pessoas vindas de Nova Iorque, oriundas de épocas diferentes; magos; etc. A obra mistura elementos reais – o próprio autor participa da história – com seres fictícios criando uma fantástica epopéia digna de um Camões. A obra, por sinal, teve como inspiração “O senhor dos anéis”, de Tolkien; o poema épico “Childe Roland à Torre Negra chegou”, de Robert Browning; e o filme “Três homens em conflito”. O tempo, aqui, transcorre paralela e simultaneamente em um único agora. Ficção e realidade se encontram em uma zona indeterminada onde se confundem e se mesclam, expandindo-se em um novo Universo.        
Há durante todo o tempo uma mudança de cenário, cada um remetendo a uma época diferente ou mesmo a mistura de mais de uma época no mesmo agora. Isso nos remete ao texto de Octavio Paz, “Os filhos do barro”, quando ele nos diz que “aceleração é fusão: todos os tempos e todos os espaços confluem em um aqui e um agora”. O tempo histórico acelerou-se. Com isso não queremos dizer que a Terra esteja indo mais rápido em sua revolução ao redor do Sol, nem que ela esteja girando mais rápido sobre o seu próprio eixo. O dia ainda tem 24 horas, a semana 7 dias e assim por diante. Contudo, indubitavelmente, sentimos o passar dos dias de uma maneira mais rápida, como se tivéssemos menos horas por dia e menos dias por ano. Contudo, a quantidade de coisas que se passam nesse tempo dão-nos a sensação de que o tempo está mais rápido ou menor. Várias coisas acontecem, e acontecem todas ao mesmo tempo. As coisas que acontecem parecem possuir uma urgência jamais sentida em qualquer época anterior, fazendo-nos sentir uma importância que, muitas vezes, ela não possui. Por exemplo, se analisarmos fatos recentes de nossa História, temos uma sensação de ruptura irremediável com o passado. Porém, ainda podemos perceber traços desse mesmo passado que consideramos como acabado ainda persistindo nos dias atuais. As novidades que pululam ao nosso redor – principalmente as novidades tecnológicas que surgem a cada dia – nos dão a falsa sensação de uma modernidade em constante mudança. Vivemos tempos ‘modernos’, procuramos ser pessoas ‘modernas’, procuramos romper com tudo o que recebe o rótulo de ‘tradicional’, como se isso fosse uma praga que devemos evitar a qualquer preço: costumes, lendas, tudo o que é antigo.   
 Em “A Torre Negra” há uma urgência em se chegar à torre, o tempo vai escasseando a cada momento e cada momento é precioso. O tempo conspira contra eles. Há muito o que fazer e há pouco tempo. E o tempo é uma das coisas que o Homem não consegue controlar. Não podemos moldar o tempo à nossa vontade. J. R. R. Tolkien, em sua obra “O senhor dos anéis”, nos diz através do personagem Gandalf: “só podemos decidir o que fazer com o tempo que nos é dado”. E é assim que Roland e seus companheiros tem que agir: decidir o que fazer no pouco tempo que têm para achar a torre. O tempo, sua única esperança, é também a sua maldição. O Tempo, nesse livro, é o grande personagem.
Roland representa a mudança. Quando ele recruta seus três companheiros – Eddie Dean, Jake Chambers e uma negra com dupla personalidade que, depois de juntá-las, assume o nome de Suzannah, além de um estranho animal chamado Oi – estes, até então, jamais ouviram falar de uma torre negra ou haviam percebido qualquer alteração no tempo. Roland os coloca em uma nova situação, uma nova ‘modernidade’ constituída por uma colcha de retalhos: tanto possuía elementos novos, completamente desconhecidos pelos personagens, quanto elementos conhecidos, alguns vivenciados, outros não. No final, os três voltam a uma versão de Nova Iorque, em um ‘quando’ diferente, porém com características semelhantes às das cidades que eles conheciam. Apenas a partir do momento em que os três tomaram conhecimento do que estava acontecendo ao seu redor puderam interferir para ajudar Roland a provocar uma mudança. A consciência permite um questionamento e, às vezes, uma mudança. No fim da jornada, com apenas uma vaga consciência do que acontecera, eles retornaram para algo conhecido – a cidade de Nova Iorque – e para uma vida semelhante à que tinham antes. 
O tempo fascina os homens desde que estes passaram a ter consciência suficiente para perceber sua passagem. As religiões orientais acreditam em um ciclo de reencarnações onde a pessoa retorna a um novo corpo para refazer sua jornada no mundo até que não precise mais reencarnar. Santo Agostinho questionou essa doutrina dizendo que “não é verdade que, por ciclos sem conta, o filósofo Platão esteja condenado a ensinar em uma escola de Atenas, aos mesmos discípulos, as mesmas doutrinas”. Santo Agostinho, permeado pelas ideias cristãs, não entendeu ou preferiu não entender o que de fato essas religiões pregavam: as pessoas voltavam, sim, ao mesmo mundo de onde haviam partido mediante o processo da morte, mas não no mesmo corpo e não para fazer as mesmas coisas. As pessoas voltavam em um novo corpo, com personalidades diferentes. Um ciclo de vida e morte onde cada morte e cada renascimento representavam uma ruptura com o estado anterior – vida física e vida espiritual. A nova vida, ou a reencarnação, poderia ser nos mesmos moldes da vida anterior (uma quase repetição) ou uma vida completamente diferente. Santo Agostinho, nesse caso, considerou a volta como sendo no mesmo corpo – Platão voltando como Platão e ensinando as mesmas coisas – por estar impregnado da idéia cristã de uma volta à vida no dia do Juízo Final, onde os mortos ressuscitarão com o mesmo corpo que tinham quando morreram – uma impossibilidade provada pela Física.
Já em “A Torre Negra”, o pistoleiro, quando completa sua jornada e chega à torre, o faz apenas para descobrir que terá que recomeçar toda a jornada novamente. Contudo, King se aproxima da noção oriental sobre reencarnação e carma quando introduz uma pequena diferença. Nos primeiro volumes da saga, King narra uma aventura anterior de Roland com um outro grupo com o qual ele tentava chegar à torre. Nesse caso, quando seu grupo foi massacrado no que ele denominava Colinas de Jericó, Roland foi o único sobrevivente e, ao fugir, deixou para trás todos os apetrechos que seus companheiros levavam: armas, munição e uma pequena trompa que pertencia ao seu companheiro Cuthbert. No seu retorno ao início do ciclo, com suas lembranças apagando-se para reiniciar a aventura – de acordo com a tradição das religiões orientais, que pregam o esquecimento da vida anterior durante a nova encarnação – Roland se vê às voltas na mesma batalha. Porém, diferentemente da vez anterior, durante a fuga Roland pega a trompa de Cuthbert. E uma voz se faz ouvir na sua cabeça, antes do esquecimento cair sobre ele: “Esta é a sua promessa de que as coisas podem ser diferentes, Roland – que ainda pode haver descanso. Até mesmo salvação”. Os orientais acreditam que, no final do ciclo, quando se alcança a Iluminação, abandona-se a roda das reencarnações e volta-se ao Todo original de onde partimos.                
Muito se fala da ‘crise’ do romance. Após a Internet, tem-se previsto o fim da literatura. E, no entanto, nunca se publicou tanto quanto atualmente. Silviano Santiago, em “Vale quanto pesa”, nos diz que a literatura vive de e em crise. Afinal, o que é a crise senão um questionar-se a si própria, um questionar que não exige uma resposta, mas uma eterna interrogação que gera novos questionamentos que nos fazem buscar novas soluções que, longe de resolver, impõe-nos novas dúvidas em um ciclo que se repete indefinidamente. Como o tempo. Como a roda das reencarnações. A literatura é feita de interrogações, não de respostas. Quando a literatura for respondida – quando tiver alcançado a Iluminação –, aí sim, ela terá atingido o seu fim.
Tentamos entender a literatura, rotulá-la como tudo o mais, como se ela fosse uma lei da física ou da química, como se ela tivesse um campo próprio propício a uma análise definitiva. Para a literatura, entretanto, tudo pode transformar-se em ficção, “mesmo a verdade” – nos diz o escritor argentino Ricardo Piglia –, “ou, sobretudo, a verdade, pois também ela é tecida de ficções”. Pontos dispersos que se cruzam formando uma teia labiríntica cujo centro nos escapa, uma teia tênue formada não de fios sólidos, mas de partículas de pó. E como podemos ver o pó se o que o caracteriza é a dispersão?  
“A Torre Negra” é um livro sobre o tempo e sua urgência; sobre a relação escritor-personagem (o próprio autor participa da história); sobre ficção e realidade. Trata de rupturas, de perdas. Trata do novo e do antigo. É um livro de mudanças. Isso nos leva ao pensamento de Octavio Paz quando ele nos diz que “o moderno é uma tradição. Uma tradição feita de interrupções, em que cada ruptura é um começo”. E nos remete à frase final do sétimo e último volume da série que, como a roda das reencarnações, repete a frase de abertura do primeiro volume: “O homem de preto fugia pelo deserto e o pistoleiro ia atrás”.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

“O lado escuro da Lua” e a alma humana

Não existe nada mais obscuro do que a alma humana, esse labirinto onde, muitas vezes, nós mesmos nos perdemos enquanto procuramos nos encontrar. Apesar disso, costumamos dizer que ‘conhecemos’ alguém. Conhecemos, mesmo?

Sócrates, o grande filósofo grego, mentor de Platão, cunhou uma frase que ficou famosa: “conhece-te a ti mesmo”. E esse já é um grande desafio, o descobrir a nós mesmos. Assim, como poderemos almejar conhecer, de fato, outra pessoa?

Nélson Rodrigues, o grande dramaturgo brasileiro, autor de, entre outras obras, “Vestido de noiva” e “Bonitinha mas ordinária”, dizia que, se as pessoas soubessem o que as outras faziam na intimidade, não se cumprimentariam umas às outras. As pessoas escondem-se por trás de máscaras, como em um eterno carnaval, para ocultarem o lado que elas não querem mostrar para ninguém. Assim como a Lua, que tem um ‘lado escuro’ que não pode ser observado.

Em um dos contos que compõem o livro, “O voyeur”, o personagem do título nos fala que “era como um desejo secreto, do tipo que não se compartilha com ninguém. Todas as pessoas possuem o seu lado oculto, que nunca é mostrado. Algo assim como o lado escuro da Lua, que ela caprichosamente esconde de nós nos mostrando apenas o lado que ela quer que vejamos”. Mostramos ao outros apenas o que queremos que os outros vejam.

A vida em sociedade é um eterno ‘fingir’. Fingimos sentir o que de fato não sentimos. Os motivos disso variam. Fingimos por interesse financeiro, para conquistar uma posição social, para ganharmos fama, por convenções sociais. Tentamos nos passar por quem não somos, fazemos o que os outros esperam que nós façamos. Aqueles que não se moldam de acordo com o que se espera deles, acabam sendo postos de lado ou impõem a si mesmos um exílio voluntário. É o caso do personagem do conto “Extinção”. Ao voltar de um hospital, após sofrer um ataque cardíaco que o deixou internado durante muito tempo, o personagem não reconhece mais a sua vida anterior. Sente uma estranheza e uma falta de sentido em tudo o que o cerca. Assim, resolvi ‘extinguir’ a sua vida anterior, rompendo os elos de tudo o que o ligava ao passado, iniciando uma nova vida, um renascimento. Outros, como é o caso do personagem do conto “Só”, não conseguiu acompanhar a tão propalada ‘modernidade’. Vivia uma vida simples e, por isso, foi abandonado pelos filhos, após a morte da mulher. Seu único sonho: voltar a ver o mar, senti-lo como o fazia quando era pescador. Não pertencia a este mundo, e abriu mão dele por uma vida diferente, uma vida que ele acreditava que levaria em companhia daqueles que o entenderiam, como seu filho que morreu no mar. Saímos do mar para nos tornar homens; ele voltou ao mar para readquirir sua humanidade.

As novas relações da vida moderna, como a situação da mulher, por exemplo, são retratadas nos contos “O canto da sereia”, “Casamento liberal” e “Noite de futebol”. A troca de posições em “Noite de futebol”, faz com que os homens ‘sintam’ o que é estar do outro lado do preconceito. Já “O canto da sereia” nos mostra as reflexões de uma alta executiva em conflito com a nova posição que a mulher alcançou e os desejos inerentes ao sexo feminino, como ter filhos, por exemplo.

A solidão, que tentamos ocultar nos cercando de pessoas e nos fazendo alegres,ou que sentimos mesmo estando cercados de pessoas, está presente nos contos “Trem noturno”, “Mesa de bar”, “Apenas o vento”, “Cotidiano” e “Não há mais ninguém no alto da colina”. A velhice está presente nos contos “Só”, “Velho olhando o mar” e “Não há mais ninguém no alto da colina”. As nossas perversões mais ocultas, disfarçadas sob uma capa de polidez e educação, está presente no conto “Vermelho quase sangue”.

Os contos de “O lado escuro da Lua” procuram explorar os recônditos mais sombrios do ser humano e da sociedade atual. Eles não procuram dar uma explicação, nem pretendem transformar o livro em um tratado de psicologia. Pretendem, apenas, que o leitor se reconheça em um dos contos – ou em mais de um deles – e que tire suas próprias conclusões.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Ó – onde a matéria encontra a linguagem

O livro “Ó”, de Nuno Ramos, conquistou o 1° lugar do Prêmio Portugal Telecom de Literatura 2009. Por si só esse fato já chamaria atenção para a obra cujo autor já é reconhecido como artista plástico e que vem buscando espaço também no campo das letras – antes de “Ó” ele já havia publicado os livros Cujo (1993), O pão do corvo (2001) e Ensaio Geral (2007). Porém, além do prêmio, o que chama atenção no livro é a originalidade dos textos que o compõem.
“Ó” é um livro que frustra aqueles que gostam de catalogar, classificar e ordenar as coisas dentro de categorias, sub-categorias e escolas literárias. Embora, a título de catalogação, tenha sido classificado como sendo um livro de contos, “Ó” parece ser isto e muito mais. Poesia em prosa? Crônicas? Ensaios? Sim e não. “Ó” parece ser tudo isso ao mesmo tempo em que parece não ser nada disso. O livro é um conjunto de reflexões sobre vários temas. Ou, conforme disse o próprio autor em uma entrevista, “Ó” seria um conjunto de “narrativas entre a poesia e o pensamento”.
Ao se começar a ler os textos tem-se a impressão de que estamos diante de contos em sua estrutura tradicional. Alguma coisa situada entre os textos de Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu. Temos o que parece ser um narrador em primeira pessoa narrando uma situação prosaica – situação presente nos contos de Clarice. “Manchas na pele, linguagem”, o primeiro texto do livro, começa assim. À medida que se avança na leitura, contudo, os textos começam a dar a impressão de que vão enveredar pelo caminho da crônica. O segundo texto, “Túmulos”, começa nos dando a impressão de que será uma crônica e termina nos deixando um gostinho de ensaio. Começamos o terceiro texto, “Tocá-la, engordar, pássaros mortos”, fazendo ainda uma tentativa de classificar os textos dentro de um formato pré-estabelecido, familiar. Então, chegamos ao quarto texto, o primeiro “Ó”, e aí começamos a deixar de lado qualquer tentativa de classificação. Nos damos conta de que estamos diante de algo novo que, com sua linguagem exuberante, como se fosse um rio caudaloso, resiste a ser encarcerado dentro de quaisquer fronteiras que o limite.
O livro é marcado por uma inquietação do autor em encontrar... o quê? Uma nova possibilidade de manusear a linguagem assim como ele faz com suas obras de artista plástico? A metafísica das coisas? O corpo como elemento espacial e como possibilidade de linguagem?
Lendo “Ó”, adquire-se mais perguntas do que respostas. E, talvez, seja exatamente essa a intenção do autor: nos levar a, junto com ele, questionar o sentido das coisas – da própria matéria, da própria linguagem. Porque, longe de nos dar respostas, o livro nos abre um leque de possibilidades, uma multiplicidade de sentidos.
Em “Ó”, o corpo humano é um elemento recorrente. Exemplos disso são os textos ‘Manchas na pele, linguagem’, ‘Túmulos’, ‘Tocá-la, engordar, pássaros mortos’, ‘Recobrimento, lama-mãe, urgência e repetição, cachorros sonham?’, ‘Esquecer os sonhos, ovas’ e ‘No espelho’. Talvez em função de seu trabalho como artista plástico, os textos de “Ó” procurem uma conexão com a matéria, que nos textos tem um papel predominante. Matéria que se expande, se contrai, experimenta, sente.
A morte – real ou apenas pressentida – é outro elemento que aparece em vários textos de “Ó”: ‘Túmulos’, ‘Tocá-la, engordar, pássaros mortos’, ‘Manias, na trincheira’, ‘Sinais de um pai sumido, canção’ tocam nesse tema. Segundo o próprio autor afirmou em uma entrevista, “morte é matéria, redução do sopro, do desejo, ao peso, ao inerte. Acho que esse é o primeiro interesse que tenho pelo tema: a passagem entre uma coisa e outra”. Lembrando que o termo ‘passagem’, principalmente para um artista plástico, é uma via de mão-dupla: a matéria inerte ganha vida, ao mesmo tempo em que a matéria viva se torna inerte.
O tema da velhice é outro elemento que aparece em vários textos: ‘Tocá-la, engordar, pássaros mortos’, ‘Manias, na trincheira’, ‘Recobrimento, lama-mãe, urgência e repetição, cachorros sonham?’, ‘Coisas abandonadas, gargalhada, canção da chuva, previsão do tempo, ida à Lua, ida à Marte’, ‘No espelho’. Aliás, esses três temas – corpo, velhice, morte – estão imbricados de uma forma complementar, um não existindo sem o outro.
Podemos encontrar, nos seus textos, algumas referências a escritores tanto da literatura nacional quanto da literatura internacional. A importância do corpo como elemento de apreensão da realidade, incorporando-a, percebendo-a, misturando-se a ela, tem um quê de “A paixão segundo GH”, de Clarice Lispector. Além disso, temos o fato de que as situações que ocorrem nos textos são desencadeadas por fatos banais – como em Clarice –, e que desembocam em uma espécie de revelação. Uma epifania que está presente em todos os textos do livro.
Outra influência parece ser a do escritor americano Philip Roth o qual, nos seus últimos livros, vem tendo a velhice e a morte como temas recorrentes. Roth tem recebido críticas por seus livros apresentarem uma visão sombria – mas realista – da velhice e da proximidade da morte, uma espécie de esquecimento. Nos textos de “Ó” vemos a deterioração do corpo, o aparecimento de manchas, gorduras, secreções. A morte também é vista como esquecimento – como no texto “Túmulos”. Em oposição à deterioração da matéria, do esquecimento, a linguagem surge como uma maneira de perpetuação, o Verbo divino que gera Vida.
Novamente temos aí o artista plástico lidando com os limites da matéria, com a sua finitude. Aliás, essa dualidade artes plásticas/literatura está presente em praticamente todos os textos. “Ó” é um livro que foi sendo modelado aos poucos, sua forma surgindo a cada golpe do cinzel, uma massa bruta a ser lapidada e da qual pode emergir várias possibilidades, várias formas.
O autor, que passou grande parte de sua vida trabalhando com a matéria, tentando encontrar uma linguagem para ela, agora trabalha com a linguagem, tentando encontrar a sua matéria, uma espécie de linguagem da carne ou carne da linguagem.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

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terça-feira, 3 de abril de 2012

O universo mágico de George R. R. Martin

A série “O Senhor dos Anéis”, de J. R. R. Tolkien, instaurou entre os brasileiros o gosto por histórias de mundos fantásticos, mas que bem poderiam ser a Terra em uma idade remota – ou em um futuro longínquo. Guerreiros, reis, monstros, todos passaram a fazer parte do imaginário das pessoas. Além disso, o que motivava muitos dos personagens do livro, tais como Sauron, era a ânsia pelo poder, algo bem conhecido pelos humanos que leram a história. Várias pessoas reais, em todas as épocas, seriam seduzidas pelo poder do Um Anel. Assim, os livros de Tolkien agradaram desde adolescentes até senhores de idade mais avançada; agradaram homens e mulheres.
Muitos autores já tentaram trilhar este caminho. Antes de “O Senhor dos Anéis”, uma escritora chamada Marion Zimmer Bradley lançou uma série de quatro livros, intitulada “As brumas de Avalon”, os quais narravam a saga do Rei Arthur sob uma ótica feminina. Um livro interessante e que merecia uma reedição. Após “As brumas de Avalon”, tivemos um hiato que só voltou a ser preenchido com “O Senhor dos Anéis”. Os livros de Tolkien, que se transformaram em uma bem sucedida sequência de filmes, deixaram um vácuo que foi preenchido com o lançamento de duas séries: “A Torre Negra”, de Stephen King, e “As crônicas de Gelo e Fogo”, de George R. R. Martin, que ficaram mais conhecidas no Brasil como “Game of Thrones”.
“As crônicas de Gelo e Fogo” é uma série de 7 livros, assim como a série “A Torre Negra”, de King. Ambas as séries nos trazem livros volumosos, de muito fôlego e que prendem a atenção pelos detalhes.
O mérito de George R. R. Martin é o de nos brindar com um mundo fantástico, recheado de dragões e criaturas sobrenaturais que surgem com um rigoroso inverno, juntamente com reis e rainhas, tronos de ferro, usurpadores e exércitos que nos lembram a nossa Terra na época medieval.
O livro, que já fazia muito sucesso no restante do mundo antes de estourar no Brasil, se transformou em uma renomada série da HBO, começando agora sua segunda temporada, com lançamento simultâneo com os Estados Unidos.
A primeira temporada da série foi muito bem realizada, na medida do possível fiel ao livro e com uma fotografia deslumbrante. Provavelmente, a segunda temporada será igual. Porém, o livro nos traz detalhes que a série não consegue nos mostrar, já que é muito grande para ser encenado fielmente. Aconselho aos fãs da série que também leiam o livro, e vice-versa, assim como deveriam ter feito com “O Senhor dos Anéis”.E vamos esperar que mais autores do quilate de um Tolkien e um Martin surjam em breve, para nos brindar com a sua literatura fantástica.