segunda-feira, 16 de abril de 2012

“O lado escuro da Lua” e a alma humana

Não existe nada mais obscuro do que a alma humana, esse labirinto onde, muitas vezes, nós mesmos nos perdemos enquanto procuramos nos encontrar. Apesar disso, costumamos dizer que ‘conhecemos’ alguém. Conhecemos, mesmo?

Sócrates, o grande filósofo grego, mentor de Platão, cunhou uma frase que ficou famosa: “conhece-te a ti mesmo”. E esse já é um grande desafio, o descobrir a nós mesmos. Assim, como poderemos almejar conhecer, de fato, outra pessoa?

Nélson Rodrigues, o grande dramaturgo brasileiro, autor de, entre outras obras, “Vestido de noiva” e “Bonitinha mas ordinária”, dizia que, se as pessoas soubessem o que as outras faziam na intimidade, não se cumprimentariam umas às outras. As pessoas escondem-se por trás de máscaras, como em um eterno carnaval, para ocultarem o lado que elas não querem mostrar para ninguém. Assim como a Lua, que tem um ‘lado escuro’ que não pode ser observado.

Em um dos contos que compõem o livro, “O voyeur”, o personagem do título nos fala que “era como um desejo secreto, do tipo que não se compartilha com ninguém. Todas as pessoas possuem o seu lado oculto, que nunca é mostrado. Algo assim como o lado escuro da Lua, que ela caprichosamente esconde de nós nos mostrando apenas o lado que ela quer que vejamos”. Mostramos ao outros apenas o que queremos que os outros vejam.

A vida em sociedade é um eterno ‘fingir’. Fingimos sentir o que de fato não sentimos. Os motivos disso variam. Fingimos por interesse financeiro, para conquistar uma posição social, para ganharmos fama, por convenções sociais. Tentamos nos passar por quem não somos, fazemos o que os outros esperam que nós façamos. Aqueles que não se moldam de acordo com o que se espera deles, acabam sendo postos de lado ou impõem a si mesmos um exílio voluntário. É o caso do personagem do conto “Extinção”. Ao voltar de um hospital, após sofrer um ataque cardíaco que o deixou internado durante muito tempo, o personagem não reconhece mais a sua vida anterior. Sente uma estranheza e uma falta de sentido em tudo o que o cerca. Assim, resolvi ‘extinguir’ a sua vida anterior, rompendo os elos de tudo o que o ligava ao passado, iniciando uma nova vida, um renascimento. Outros, como é o caso do personagem do conto “Só”, não conseguiu acompanhar a tão propalada ‘modernidade’. Vivia uma vida simples e, por isso, foi abandonado pelos filhos, após a morte da mulher. Seu único sonho: voltar a ver o mar, senti-lo como o fazia quando era pescador. Não pertencia a este mundo, e abriu mão dele por uma vida diferente, uma vida que ele acreditava que levaria em companhia daqueles que o entenderiam, como seu filho que morreu no mar. Saímos do mar para nos tornar homens; ele voltou ao mar para readquirir sua humanidade.

As novas relações da vida moderna, como a situação da mulher, por exemplo, são retratadas nos contos “O canto da sereia”, “Casamento liberal” e “Noite de futebol”. A troca de posições em “Noite de futebol”, faz com que os homens ‘sintam’ o que é estar do outro lado do preconceito. Já “O canto da sereia” nos mostra as reflexões de uma alta executiva em conflito com a nova posição que a mulher alcançou e os desejos inerentes ao sexo feminino, como ter filhos, por exemplo.

A solidão, que tentamos ocultar nos cercando de pessoas e nos fazendo alegres,ou que sentimos mesmo estando cercados de pessoas, está presente nos contos “Trem noturno”, “Mesa de bar”, “Apenas o vento”, “Cotidiano” e “Não há mais ninguém no alto da colina”. A velhice está presente nos contos “Só”, “Velho olhando o mar” e “Não há mais ninguém no alto da colina”. As nossas perversões mais ocultas, disfarçadas sob uma capa de polidez e educação, está presente no conto “Vermelho quase sangue”.

Os contos de “O lado escuro da Lua” procuram explorar os recônditos mais sombrios do ser humano e da sociedade atual. Eles não procuram dar uma explicação, nem pretendem transformar o livro em um tratado de psicologia. Pretendem, apenas, que o leitor se reconheça em um dos contos – ou em mais de um deles – e que tire suas próprias conclusões.

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