sexta-feira, 6 de abril de 2018

Será que os Ventos do Inverno irão soprar em 2018?

Alguns leitores já começaram a perder as esperanças de ler os dois livros finais da série



A série de livros "Crônicas de Gelo e Fogo", que virou série de tv pela HBO conhecida como "Game of Thrones", sempre se caracterizou por um detalhe: cada temporada da série era realizada após o lançamento do livro. Nesse ano, presenciamos algo inédito: a sexta temporada foi lançada na tv antes que o livro fosse lançado. 
Esse fato preocupou os fãs da série, que começaram a duvidar de que os dois últimos livros sejam lançados. 
No entanto, George R. R. Martin, o autor da série, começou a lançar nas redes sociais mensagens que nos dão esperança de ainda veremos os dois últimos livros e teremos a oportunidade de lê-los. No twitter, Martin escreveu, em 30 de dezembro de 2017: "Eu pensei que 2016 foi um ano ruim, mas 2017 foi ainda pior. Não tanto para mim pessoalmente, mas certamente para muitos dos meus amigos e entes queridos, e para a nação e para o mundo como um todo. Espero que sejam melhores tempos para todos nós." O texto foi acompanhado pela imagem de um trenó de Papai Noel sendo puxado por um dragão. 
Além disso, em agosto de 2017, Martin deu mais uma pista de que o(s) livro(s) poderia(m) sair em 2018: "Acho que você terá um livro meu de Westeros em 2018... e quem sabe talvez dois."
Muitos leitores, entretanto, já perderam a esperança de que esses livros saiam tão cedo - se é que sairão.  Afinal, o último livro foi lançado em 2011 nos Estados Unidos. 
Veja a lista dos livros já publicados e seus respectivos anos de lançamento nos EUA:

A Guerra dos Tronos (1996)
A Fúria dos Reis (1998)
A Tormenta de Espadas (2000)
O Festim dos Corvos (2005)
A Dança dos Dragões (2011)

No Brasil, os cinco livros foram publicados, respectivamente, em setembro de 2010, março de 2011, setembro de 2011, fevereiro de 2012 e junho de 2012. 

Os próximos livros da série, com títulos ainda provisórios, são The Winds of Winter (Os Ventos do Inverno) e A Dream of Spring (Um Sonho de Primavera).

"As Crônicas de Gelo e Fogo", independente da publicação dos próximos dois livros, já marcou uma época e vem influenciando novos autores. Isso porque George Martin procurou escrever uma história realista, verossímil, tentando fugir de estereótipos e evitando criar personagens maniqueístas. Isso fez com que os leitores se identificassem com diversos personagens, uma vez que não existem personagens somente bons nem somente maus. Pessoas "boas" podem cometer atos cruéis, da mesma forma que personagens "maus" são capazes de atos de altruísmo. 
Na "Guerra dos Tronos", assim como na vida, não há santos nem demônios. 

domingo, 25 de março de 2018

STF - Supremo Tribunal Falido

Fica cada vez mais claro que a corrupção atingiu todos os níveis e estruturas da política brasileira


O STF - teoricamente, Supremo Tribunal Federal - deixou bem claro, para o mundo inteiro ver, o quão arraigada se encontra a corrupção na política brasileira. Ao se reunir para julgar a validade ou não do habeas corpus impetrado pelos advogados do ex-presidente Lula - decisão que poderia acarretar na prisão do ex-presidente -, os membros do tribunal passaram 5 horas para decidir, apenas, que o recurso não seria julgado e que, portanto, ele não poderia ser preso até o dia 4 de abril, quando o referido tribunal se reunirá novamente para julgar se o ex-presidente será preso ou se poderá aguardar novos julgamentos, referentes a vários recursos impetrados por seus advogados, em liberdade.
O que ficou bem claro é que o STF, assim como a maioria das instituições brasileiras,  está totalmente podre, corroído pela corrupção que grassa livremente pelo país. Os casos contra o ex-presidente serão arrastados morosamente até que o povo pare de cobrar a prisão deste delinquente, quando, então, ele poderá usufruir dos saques que fez aos cofres públicos em total liberdade.
O fato é que os membros deste referido tribunal foram todos indicados por corruptos, os quais este tribunal é encarregado de julgar. Como condenar alguém que o colocou no atual cargo?
Veja a lista dos juízes do STF e quem os indicou:

Carmen Lúcia (atual presidente do STF): indicada por Lula, tomou posse em 21/6/2006;
Celso de Mello (membro mais antigo do STF): indicado por José Sarney, tomou posse em 17/8/1989;
Marco Aurélio Mello: indicado por Fernando Collor, tomou posse em 13/6/1990;
Gilmar Mendes: indicado por Fernando Henrique Cardoso, tomou posse em 20/6/2002;
Ricardo Lewandowski: indicado por Lula, tomou posse em 16/3/2006;
Dias Toffoli: indicado por Lula, tomou posse em 23/10/2009;
Luiz Fux: indicado por Dilma Rousseff, tomou posse em 3/3/2011;
Rosa Weber: indicada por Dilma Rousseff, tomou posse em 19/12/2011;
Luiz Roberto Barroso: indicado por Dilma Rousseff, tomou posse em 26/6/2013;
Luiz Edson Fachin: indicado por Dilma Rousseff, tomou posse em 16/6/2015;
Alexandre de Moraes: indicado por Michel Temer, tomou posse em 22/3/2017.

Ou seja, dos 11 juízes, 4 foram indicados por Dilma (aliada de Lula), 3 indicados pelo próprio Lula (atual réu), 1 por FHC (que se manifestou pró-Lula), 1 por Collor (afastado por impeachment), 1 por Sarney (sem comentários!!!), 1 por Temer.
Olhando essa lista, como esperar um mínimo de probidade por parte destes juizes? Como julgar réus que os colocaram nos atuais cargos? Como acreditar na isenção de um julgamento feito pelo STF?
E, enquanto isso, o povo brasileiro vê, de mãos atadas, a corrupção e o crime serem legalizados por órgãos que deveriam combatê-los.
Como diz a música de Renato Russo, do Legião Urbana, "que país é esse?".

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Grupo da “morte” ou grupo da “vergonha”?



O grupo “D”, antes de a Copa começar, foi qualificado como sendo o “grupo da morte”. Nele estavam 3 seleções campeãs mundiais: Inglaterra (1 título, em 1966), Itália (4 títulos, em 1934, 1938, 1982 e 2006) e Uruguai (2 títulos, em 1930 e 1950). Ao todo, 7 títulos mundiais. Completando o grupo, a Costa Rica, que está disputando apenas a sua 4ª Copa do Mundo e que não possui tradição no futebol, era o candidato lógico a “saco de pancadas” do grupo. No entanto, o “saco de pancadas” acabou batendo, ao invés de apanhar.
Na estreia, a Costa Rica derrotou a seleção uruguaia por 2X1; no segundo jogo, venceu a poderosa seleção italiana por 1X0. o “saco de pancadas” acabou sendo a Inglaterra, que perdeu para Itália e Uruguai, foi eliminada na 2ª rodada e se notabilizou apenas pelas reclamações por ter de jogar no calor de Manaus, no que parecia ser uma desculpa antecipada para um possível fracasso – o que, de fato, aconteceu.
A Costa Rica garantiu uma das vagas do grupo, para a próxima fase, antecipadamente, deixando a briga pela outra vaga para ser decidida no confronto entre Itália e Uruguai. A Costa Rica ainda pode ser a primeira colocada do grupo, bastando empatar com a fraca e já eliminada Inglaterra, no seu último jogo.
Em um grupo com 3 campeãs mundiais, a melhor seleção acabou sendo a que, teoricamente, era a mais fraca. A Inglaterra foi simplesmente ridícula; Itália e Uruguai foram mais garra do que técnica; a Costa Rica, com um futebol envolvente e sólido, jogou como se ela fosse a campeã mundial e as outras três, as “zebras”.      

quinta-feira, 12 de junho de 2014

A violência objetiva e subjetiva em Dois Irmãos, de Milton Hatoum



Dois Irmãos, de Milton Hatoum (São Paulo: Companhia das Letras, 2006), é um romance que trata da relação tumultuada entre os irmãos gêmeos Yaqub e Omar, os quais protagonizam atos de discórdia e vingança que os persegue durante toda a vida, desde a infância até a maturidade. O autor remete-nos ao mito bíblico da inimizade entre os irmãos, Caim e Abel, gerada pela inveja e que culmina em violência, com a morte de Abel perpetrada por Caim. A obra de Hatoum “conversa” com a de Machado de Assis, Esaú e Jacó, que também narra uma história de discórdia e violência entre dois irmãos.
Entretanto, a violência entre os irmãos de Hatoum leva-nos a pensar em situações que vão além da simples discórdia que separa os gêmeos. Como imagens em um espelho, os irmãos geram imagens distorcidas, mas que, ao final, mesclam-se no fim dado aos dois personagens: a solidão e o afastamento dos que lhes eram mais próximos. Assim, Hatoum nos leva a refletir sobre os opostos que, no final, acabam por equiparar-se. Além disso, mais do que retratar uma simples questão familiar, o escritor amazonense nos remete, por meio de alegorias, ao ambiente social reinante em um país que ainda procurava sua identidade, assim como ao clima que se instaurou no Brasil com a implantação da ditadura militar e toda a violência, física e ideológica, que a seguiu, explicitado pelo exemplo abaixo:

“Laval foi arrastado para um veículo do Exército, e logo depois as portas do Café Mocambo foram fechadas. Muitas portas foram fechadas quando dois dias depois soubemos que Antenor Laval estava morto. Tudo isso em abril, nos primeiros dias de abril”. (HATOUM, 2006, p.142)

Temos, por exemplo, o episódio em que Yaqub foi mandado para o Líbano, em uma espécie de exílio forçado, o que os remete aos exílios – infligidos ou autoimpostos – impetrados pelo regime militar, o que obrigou muitos políticos e artistas a se refugiarem em outros países, até que lhes fosse concedida anistia. Essa foi uma violência cometida contra Yaqub, que não queria ir para o país de seus ancestrais e que acabou sendo enviado como uma espécie de punição pelas brigas que tinha com o irmão, como se observa no trecho

“Tinha sido horrível. Fui obrigado a me separar de todos, de tudo... não queria” (HATOUM, 2006, p. 86).

Preterido pela mãe, Yaqub sentiu-se injustiçado, uma vez que a seu irmão, com quem ele brigara, não foi imposto tal castigo, como se vê na passagem abaixo:

“Zana culpava Halim pela falta de mão firme na educação dos gêmeos. Ele discordava: “Nada disso, tu tratas o Omar como se ele fosse nosso único filho”.” (HATOUM, 2006, p.22).

A questão do preconceito social, que não deixa de ser uma forma de violência, também nos aparece em algumas passagens da obra, como é o caso do próprio narrador da história, Nael, que é filho de uma índia que supostamente foi estuprada por Omar. Além da violência física e psicológica causada por um estupro, temos aí um episódio com implicações mais profundas: a violência causada pelo colonizador branco sobre o índio colonizado. Assim como os portugueses, que se tornaram colonizadores de uma terra que não lhes pertencia, Omar é filho de imigrantes libaneses, estrangeiros que para cá vieram e por aqui ficaram, e que se sobressaíram economicamente sobre a população nativa, tornando-se grandes proprietários de terras e comércios, acumulando e concentrando riquezas, principalmente com a exploração da borracha. O caboclo nativo, tratado como indolente e inferior culturalmente, acabava sendo vítima da exploração dos donos de seringais, uma vez que seu trabalho chegava a ser, praticamente, um trabalho escravo.
Outra alegoria que ocorre entre os dois irmãos é o embate entre razão e emoção, racionalidade e sentimento. Yaqub é o irmão frio e calculista que, durante anos, acumula e alimenta o seu ódio contra Omar até conseguir sua vingança contra o irmão. Já Omar representa o lado emocional, aquele que se deixa levar pelos sentimentos, sem disfarçá-los e sem se preocupar com os sentimentos das outras pessoas, principalmente com os do irmão e das pessoas que a ele lhe pareciam inferiores, baseado na educação patriarcal que recebera da mãe.
Esta situação retrata a própria situação pela qual o Brasil estava passando – e, de certa forma, ainda está. Ao lado de promessas de progresso e modernização do país, caracterizadas pelo primogênito Yaqub, temos o comportamento “antiquado” e provinciano caracterizado por Omar. Enquanto Yaqub obtém diploma superior e deixa a província em direção a São Paulo, centro muito mais desenvolvido e considerado o “motor” do Brasil, Omar não chega a cursar uma faculdade e se deixa ficar na rede, dormindo após as noites de farra. Temos, aí, uma crítica a própria situação do país, com suas imensas desigualdades, tanto nos campos social e econômico quanto no da educação. O irmão no Sul representa o progresso e a modernidade prometidas ao país, enquanto o irmão que ficou no Norte representa o atraso e o provincianismo que ainda imperava em grande parte do Brasil: o Sul, mais adiantado culturalmente e tido como trabalhador, contra o Norte, atrasado e “preguiçoso”.
Apesar de possuir algumas cenas de violência direta, como as brigas entre Yaqub e Omar, como a citada na passagem

“Depois, o barulho de cadeiras atiradas no chão e o estouro de uma garrafa estilhaçada, e a estocada certeira, rápida e furiosa do Caçula” (HATOUM, 2006, p. 22),

além do suposto estupro da índia, mãe de Nael, Dois Irmãos relata cenas de violência bem mais sutis. Mais do que apenas um confronto entre dois irmãos, o embate entre Yaqub e Omar retrata vários aspectos que, ainda hoje, estão presentes no Brasil: a enorme desigualdade econômica entre ricos e pobres; as diferenças educacionais entre as classes; a modernização de algumas regiões em contraste com o atraso de outras.           



Referência

HATOUM, Milton. Dois Irmãos. Companhia das Letras, 2006.     

sábado, 31 de maio de 2014

Paio Soares de Taveiróz e as cantigas de amor e de amigo do período Trovadoresco



Notícias no twitter: @sebo_cultural64

O período Trovadoresco marcou o início da Literatura Portuguesa. Neste período, muitos autores/cantores escreveram diversas canções que chegaram até nós, compiladas em diversos cancioneiros, tais como o da Biblioteca Nacional e o da Vaticana. Muitas obras, com o tempo, acabaram se perdendo, mas um rico material conseguiu chegar até nós, dando-nos uma ideia do que ocorreu naquele período em termos de uma literatura ainda incipiente. .
Mesmo tendo, na prática, começado antes disso, oficialmente o período trovadoresco tem seu início estipulado em 1198 (ou 1189), quando o trovador Paio Soares de Taveiróz escreveu uma cantiga intitulada “Cantiga de Garvaia”, a qual ele ofereceu a Maria Pais Ribeiro.
Em tese, as cantigas dividiam-se em quatro categorias: cantigas de amigo, cantigas de amor, cantigas de escárnio e cantigas de maldizer. As duas primeiras eram cantigas consideradas “cultas” e eram feitas por pessoas ligadas à nobreza (mesmo que não fossem nobres) e cantadas na corte, enquanto as duas últimas eram cantigas consideradas “vulgares”, isto é, eram feitas pelo vulgo (povo), e, portanto, não gozavam de grande prestígio, sendo mais apropriadas ao ambiente de uma taverna.
Além disso, classificar uma cantiga dentro de uma destas categorias nem sempre é tarefa fácil. Não raro vemos elementos de uma categoria misturados aos de outra, bem como alguns autores compunham cantigas em mais de uma categoria.
Em relação a Paio Soares de Taveiróz, suas cantigas refletem bem isso. Nos versos abaixo, vemos o que poderia ser qualificado como uma cantiga de amor: um homem cantando o seu amor para uma “senhor”, ou seja, para uma dama (à época, não existia o feminino ‘senhora’.

“No mundo non me sey parelha
Mentre me for como me vay,
Ca já moyro por vós e, ay,
Mya senhor branca e vermelha,
Queredes que vos retraya
Quando vos eu vi em saya?
Mao dia me lavantey
Que vos enton non vi fea.  

As cantigas de amor se caracterizavam pelo fato de sempre serem cantadas por um homem, enquanto as de amigo refletiam a voz feminina (embora fossem homens quem as escrevessem). Porém, as cantigas de amor se caracterizavam pelo fato de o cavalheiro cantar/poetar para uma dama inacessível, seja pela posição social mais elevada que ela ocupava, seja pelo fato de o cavalheiro referir-se a ela de uma maneira quase de adoração, como se a “senhor” fosse uma santa a ser adorada em seu altar. Neste trecho de Taveiróz, percebemos que o eu-lírico é um homem dirigindo-se a uma “senhor”, o que caracterizaria esta cantiga como sendo de amor. Porém, encontramos, neste trecho, elementos que não pertencem a uma cantiga de amor. Vemos elementos que denotam sensualidade e cobiça sexual, bem longe da pureza e da castidade das cantigas de amor, como no trecho:

“quando vos eu vi em saya?”

No caso, o poeta/cantor refere-se à nudez da amada, denotando uma sexualidade que não era comum nas cantigas de amor, sendo mais comuns nas cantigas de amigo. As cantigas de amor podem ser classificadas como idealistas: o cantor falava de um amor impossível, acessível somente para uma adoração, muitas vezes ignorando que era objeto dessa adoração. Não havia o desejo, por parte do cantor, de consumar fisicamente este amor. O ideal do cantor era a ‘coita’ de amor, ou seja, o sofrimento que o cantor sentia por este amor impossível. Sofrer por este amor era o mais alto sentimento a que o cantor aspirava.
Já as cantigas de amigo são de cunho mais realista: o eu-lírico feminino canta um amor que foi realizado, mas que logo depois foi perdido. Sendo o eu-lírico constituído por mulheres do povo, o cantor não tinha pudores em cantar uma relação mais carnal, com aspirações sexuais. Ou seja, o eu-lírico cantava a perda de um amor já consumado.
Neste outro trecho, abaixo, temos o que pode-se classificar como sendo uma cantiga de amigo. O eu-lírico é feminino, como pode-se observar pelo trecho “do meu amigo que me fez pesar”.

Par Deus, donas, bem podedes jurar
Do meu amigo que me fez pesar,
Mays Deus é que cuyda me a gãar
De lhe saberen Ca me quer gran ben.

A referência ao “amigo” demonstra que quem fala é uma mulher que foi abandonada, como fica claro pela palavra “pesar”. Enquanto nas cantigas de amor o homem cantava um amor impossível de ser realizado, nas cantigas de amigo a mulher chorava por um amor realizado e perdido. Além disso, no primeiro verso temos “Par Deus, donas, bem podedes jurar”, o que mostra que o eu-lírico, no caso, uma mulher, está lamentando para suas amigas a perda do seu amor, o que é outra característica das cantigas de amigo. Nas cantigas de amor, o eu-lírico masculino não canta seu amor para ninguém em especial; nas cantigas de amigo, o eu-lírico feminino canta sua dor para sua mãe, irmãs ou amigas.
Paio Soares de Taveiróz misturava elementos das cantigas de amor e das cantigas de amigo, talvez pelo fato de que, a esse tempo, as cantigas ainda não tivessem recebido uma maior atenção e estudo, e as classificações e limites ainda não estivessem bem definidos; talvez o fizesse de propósito. O fato é que o cantor mistura elementos das duas cantigas, mesmo que de forma sutil.

Nesta outra cantiga,

- Dês que essas donas vistes,
Falaron-vos ren d’amor?
Dizede, se as conhocistes,
Qual delas é a melhor?
Non fostes conhocedor,
Quando as non departistes

o eu-lírico é masculino, o que caracterizaria uma cantiga de amor. Contudo, duas características fazem com que esta canção se afaste das cantigas de amor e aproxime-se das de amigo. Em primeiro lugar, o eu-lírico parece estar inquirindo uma outra pessoa, provavelmente um amigo, sobre duas mulheres das quais esse amigo se teria enamorado, situação que era comum nas cantigas de amigo, quando o eu-lírico feminino compartilhava suas desventuras com outras mulheres. Em segundo lugar, nas cantigas de amor o eu-lírico masculino enamorava-se de uma “senhor” apenas, e por ela nutria um amor platônico. Nesta cantiga, vemos claramente que o amigo do eu-lírico está dividido entre o amor de duas mulheres, e que este amor não seria platônico, mas sim consumado fisicamente, como fica claro no trecho “Dizede, se as conhocistes”, uma vez que o termo “conhecer” era utilizado no sentido de se ter tido uma relação sexual. 

Por estes trechos analisados fica claro que Paio Soares de Taveiróz não se deteve em trabalhar apenas um tipo de cantiga e nem se preocupou em trabalhá-las de forma isolada. Nas suas cantigas, é muito comum encontrarmos elementos das cantigas de amor em cantigas de amigo, e vice-versa. Além disso, também encontramos certa dose de ironia tanto em cantigas de amor quanto nas de amigo, ironia esta mais apropriada a uma cantiga de escárnio. A própria Cantiga da Garvaia seria uma cantiga de amor, porém, por conter ironias, há quem conteste esta classificação, considerando-a como uma cantiga de escárnio.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Os “heróis” da Marvel povoam os cinemas

Duas editoras de quadrinhos tornaram-se referências mundiais: a DC Comics e a Marvel. A DC criou personagens que fizeram muito sucesso nas revistas em quadrinhos, tais como Super-Homem e Batman, e que posteriormente foram transportados para a tela, levando legiões de fãs aos cinemas. A Marvel entrou na disputa criando personagens como Homem-Aranha, X-Men, Capitão América e Os Vingadores que, além de fazerem sucesso nas HQ’s, também foram transportados para o cinema.
E, atualmente, a Marvel tem dominado as grandes produções levando vários de seus heróis às telas, alguns com sequências: Homem de Ferro, Hulk, Homem-Aranha, Justiceiro, Capitão América, X-Men, Wolverine, Thor, Quarteto Fantástico.
Atualmente a Marvel tem alguns lançamentos previstos que têm tudo para se tornarem sucessos de bilheteria: Guardiões da Galáxia; Capitão América 2: Soldado Invernal; Os vingadores 2; além da série para TV Agents of Shield.
A pergunta é: por que estes heróis fazem tanto sucesso, mesmo entre aqueles que não cresceram lendo HQ’s?
Algumas respostas são de ordem prática: uma grande campanha de marketing envolvendo estas produções; o fato de os heróis estarem “na moda”, e a tendência que as pessoas têm de seguirem cegamente as modas; a fascinação que as pessoas têm por tudo que fuja do “normal”.
Porém, a Marvel também mudou o seu estilo e, com essa mudança, conseguiu atrair o interesse das pessoas. Uma dessas mudanças, que começou a ser feita ainda nas HQ’s, foi a humanização dos heróis. Peter Parker, o Homem-Aranha, por exemplo, é um adolescente que se vê às voltas com problemas comuns que atingem várias pessoas: a perda de um ente querido para o violência urbana, como foi o caso da morte de seu tio Ben; sua necessidade de arranjar um emprego para poder pagar suas contas; a dificuldade de continuar seus estudos em uma universidade enquanto tem de trabalhar e combater o crime como Homem-Aranha; sua timidez e dificuldade em arranjar namoradas, como mostra seu amor à distância por Mary Jane.
Além disso, Stan Lee e sua equipe de roteiristas e desenhistas mantiveram-se atentos às situações que ocorriam ao seu redor e levaram algumas discussões para as HQ’s, o que gera interesse nas pessoas, como é o caso do preconceito abordado em X-Men; a dificuldade em se adaptar às rápidas mudanças em uma era tecnológica, como acontece com o Capitão América, ícone de uma época que não mais existe e tendo que enfrentar as mudanças de uma nova sociedade; a falta de confiança nas Leis e na Justiça, como acontece com o Justiceiro, que busca justiça para a morte de sua família.
Apesar de serem seres que estão distantes do que seria um ser humano “normal”, os heróis aproximam-se de nós e nos fazem refletir sobre o nosso próprio tempo e nos levam a questionar valores que, mesmo de forma indireta, são abordados nas HQ’s e filmes.     
 

domingo, 27 de abril de 2014

Arte sob censura ou a volta da Marcha da Família com Deus pela “Liberdade”



Um professor de uma escola particular da cidade de São José dos Campos, interior de São Paulo, foi o pivô de um episódio que daria inveja a qualquer participante da ditadura militar: ele foi demitido após postar um conto erótico em um blog pessoal.
A decisão de demitir o professor surgiu após a reclamação de vários pais sobre as postagens do professor no referido blog. O pai de uma aluna de 10 anos disse que se preocupava quanto ao acesso do conteúdo do blog pelos alunos (como se os alunos só pudessem acessar conteúdos eróticos ou pornográficos no blog do professor), pois o professor divulga seu blog nas redes sociais. A filha afirmou que o professor nunca divulgou seu blog em sala de aula, mas este fato parece não ter sido levado em consideração. O professor afirmou que foi demitido sem ter chance de defesa.
Para justificar a demissão do professor, o colégio informou que o mesmo estava em período de experiência e que foi demitido por não se adequar à proposta de trabalho da escola. A escola considerou, ainda, que as publicações que o docente realizava em suas redes sociais não eram adequadas para o público do colégio e que as postagens estavam em desacordo com a proposta de valores humanos da instituição.
Vemos que esta afirmação desmente a “desculpa” de que o professor foi demitido por não se adequar à proposta de trabalho da escola. Isso nos leva a refletir sobre algumas questões.    
Primeiramente, temos aí uma espécie de volta da Marcha da Família com Deus pela “Liberdade” que apoiou o golpe militar, de consequências tão nefastas para o país. E uma das características do golpe militar foi a imposição da Censura, que é o que temos no caso do professor.
Se os pais dos alunos deste colégio estão tão preocupados com o que os filhos podem acessar na Internet, deveriam, então, monitorá-los e só deixarem que os filhos acessem a Internet na sua presença, caso contrário eles estarão sujeitos a todos os tipos de conteúdos eróticos e pornográficos, na maioria dos casos, piores do que as postagens do professor.   
Outro fator importante é sobre o conceito de arte e quem tem direito de realizá-la. O professor em questão é professor de língua portuguesa e literatura e, nas horas vagas, é aspirante a escritor, ou seja, trabalha com arte – a literatura –, tendo que passar o conceito de arte e de literatura para seus alunos. E se um aluno lhe perguntasse sobre um poema ou um quadro erótico? O que o professor deveria fazer? Ignorar a pergunta? Ou deveria desfazer a dúvida do seu aluno?
O erotismo faz parte da vida. Vemos o erotismo em propagandas, em novelas, em revistas, em conversas entre amigos. Por que na arte o erotismo deveria ficar confinado a um livro ou a um museu?
Concordo que deve haver limites. O erotismo não pode ser exposto indiscriminadamente a qualquer aluno. Crianças devem ler textos adequados a sua idade. Adolescentes já têm condições de ler determinados poemas, desde que essa leitura venha acompanhada de um esclarecimento por parte do professor. E, em defesa do professor, temos o depoimento de uma de suas alunas de que ele jamais divulgou o seu blog em sala de aula.  
Na internet, encontramos todo tipo de textos e vídeos onde o erotismo – e, até mesmo, a pornografia – estão à disposição das pessoas para que baixem para computadores, tablets e celulares. Em escolas, é comum alunos compartilharem vídeos pornográficos. Cabe aos pais fiscalizarem seus filhos para evitar que eles tenham acesso a conteúdos inadequados.
O professor postou seu conto erótico – uma forma de arte, utilizada por vários escritores de sucesso – em um blog pessoal. Várias pessoas utilizam blogs pessoais para postarem conteúdos eróticos e pornográficos. Só acessa esse tipo de mídia quem quer. Desde que o professor não tenha feito algo que seja considerado como antiético, dentro da sala de aula ou da escola, como ler um de seus contos para seus alunos, sua demissão beira o absurdo.
Será que a escola demitiria o professor se ele fosse um escritor famoso, que trouxesse uma certa “fama” para a escola? Ou só o demitiu por ele ser desconhecido? E quanto às aulas de biologia, que falam sobre reprodução, e as aulas de orientação sexual? Deveriam ser proibidas também por serem consideradas eróticas ou pornográficas?
A demissão do professor atende mais a interesses demagógicos do que a preocupações pedagógicas. Ou será que um professor, principalmente um que trabalha com arte, não tem o direito de fazer arte?
Por que aceitamos expor nossos filhos a cenas de erotismo, como as cenas de quase sexo explícito que vemos em novelas e o erotismo e a quase nudez de alguns comerciais para televisão, mas ficamos chocados quando nossos filhos leem algo “erótico’ em um livro ou blog? As pessoas tentam fazer com que isso pareça pudor, mas é pura hipocrisia.
É comum ouvirmos as pessoas dizerem que a arte retrata a vida. E o erotismo faz parte da vida. Se não é assim, qual o sentido de uma garota usar minissaia, blusas decotadas e colocar silicone para aumentar os seios? Por que os homens querem ter bíceps maiores e uma barriga de tanquinho? As pessoas tentam parecer sensuais para atrair parceiros. Os pais destes alunos, com certeza, utilizaram o mesmo expediente para atraírem seus atuais cônjuges.           
Sabemos que um professor tem responsabilidades perante seus alunos, mas, fora do ambiente escolar, o professor é um ser humano como outro qualquer, com sonhos e aspirações. Ninguém questiona um artista que realiza um trabalhe erótico. Por que alguém, pelo simples fato de ser um professor, tem de ser limitado na sua arte?