domingo, 27 de abril de 2014

Arte sob censura ou a volta da Marcha da Família com Deus pela “Liberdade”



Um professor de uma escola particular da cidade de São José dos Campos, interior de São Paulo, foi o pivô de um episódio que daria inveja a qualquer participante da ditadura militar: ele foi demitido após postar um conto erótico em um blog pessoal.
A decisão de demitir o professor surgiu após a reclamação de vários pais sobre as postagens do professor no referido blog. O pai de uma aluna de 10 anos disse que se preocupava quanto ao acesso do conteúdo do blog pelos alunos (como se os alunos só pudessem acessar conteúdos eróticos ou pornográficos no blog do professor), pois o professor divulga seu blog nas redes sociais. A filha afirmou que o professor nunca divulgou seu blog em sala de aula, mas este fato parece não ter sido levado em consideração. O professor afirmou que foi demitido sem ter chance de defesa.
Para justificar a demissão do professor, o colégio informou que o mesmo estava em período de experiência e que foi demitido por não se adequar à proposta de trabalho da escola. A escola considerou, ainda, que as publicações que o docente realizava em suas redes sociais não eram adequadas para o público do colégio e que as postagens estavam em desacordo com a proposta de valores humanos da instituição.
Vemos que esta afirmação desmente a “desculpa” de que o professor foi demitido por não se adequar à proposta de trabalho da escola. Isso nos leva a refletir sobre algumas questões.    
Primeiramente, temos aí uma espécie de volta da Marcha da Família com Deus pela “Liberdade” que apoiou o golpe militar, de consequências tão nefastas para o país. E uma das características do golpe militar foi a imposição da Censura, que é o que temos no caso do professor.
Se os pais dos alunos deste colégio estão tão preocupados com o que os filhos podem acessar na Internet, deveriam, então, monitorá-los e só deixarem que os filhos acessem a Internet na sua presença, caso contrário eles estarão sujeitos a todos os tipos de conteúdos eróticos e pornográficos, na maioria dos casos, piores do que as postagens do professor.   
Outro fator importante é sobre o conceito de arte e quem tem direito de realizá-la. O professor em questão é professor de língua portuguesa e literatura e, nas horas vagas, é aspirante a escritor, ou seja, trabalha com arte – a literatura –, tendo que passar o conceito de arte e de literatura para seus alunos. E se um aluno lhe perguntasse sobre um poema ou um quadro erótico? O que o professor deveria fazer? Ignorar a pergunta? Ou deveria desfazer a dúvida do seu aluno?
O erotismo faz parte da vida. Vemos o erotismo em propagandas, em novelas, em revistas, em conversas entre amigos. Por que na arte o erotismo deveria ficar confinado a um livro ou a um museu?
Concordo que deve haver limites. O erotismo não pode ser exposto indiscriminadamente a qualquer aluno. Crianças devem ler textos adequados a sua idade. Adolescentes já têm condições de ler determinados poemas, desde que essa leitura venha acompanhada de um esclarecimento por parte do professor. E, em defesa do professor, temos o depoimento de uma de suas alunas de que ele jamais divulgou o seu blog em sala de aula.  
Na internet, encontramos todo tipo de textos e vídeos onde o erotismo – e, até mesmo, a pornografia – estão à disposição das pessoas para que baixem para computadores, tablets e celulares. Em escolas, é comum alunos compartilharem vídeos pornográficos. Cabe aos pais fiscalizarem seus filhos para evitar que eles tenham acesso a conteúdos inadequados.
O professor postou seu conto erótico – uma forma de arte, utilizada por vários escritores de sucesso – em um blog pessoal. Várias pessoas utilizam blogs pessoais para postarem conteúdos eróticos e pornográficos. Só acessa esse tipo de mídia quem quer. Desde que o professor não tenha feito algo que seja considerado como antiético, dentro da sala de aula ou da escola, como ler um de seus contos para seus alunos, sua demissão beira o absurdo.
Será que a escola demitiria o professor se ele fosse um escritor famoso, que trouxesse uma certa “fama” para a escola? Ou só o demitiu por ele ser desconhecido? E quanto às aulas de biologia, que falam sobre reprodução, e as aulas de orientação sexual? Deveriam ser proibidas também por serem consideradas eróticas ou pornográficas?
A demissão do professor atende mais a interesses demagógicos do que a preocupações pedagógicas. Ou será que um professor, principalmente um que trabalha com arte, não tem o direito de fazer arte?
Por que aceitamos expor nossos filhos a cenas de erotismo, como as cenas de quase sexo explícito que vemos em novelas e o erotismo e a quase nudez de alguns comerciais para televisão, mas ficamos chocados quando nossos filhos leem algo “erótico’ em um livro ou blog? As pessoas tentam fazer com que isso pareça pudor, mas é pura hipocrisia.
É comum ouvirmos as pessoas dizerem que a arte retrata a vida. E o erotismo faz parte da vida. Se não é assim, qual o sentido de uma garota usar minissaia, blusas decotadas e colocar silicone para aumentar os seios? Por que os homens querem ter bíceps maiores e uma barriga de tanquinho? As pessoas tentam parecer sensuais para atrair parceiros. Os pais destes alunos, com certeza, utilizaram o mesmo expediente para atraírem seus atuais cônjuges.           
Sabemos que um professor tem responsabilidades perante seus alunos, mas, fora do ambiente escolar, o professor é um ser humano como outro qualquer, com sonhos e aspirações. Ninguém questiona um artista que realiza um trabalhe erótico. Por que alguém, pelo simples fato de ser um professor, tem de ser limitado na sua arte?



Nenhum comentário:

Postar um comentário