Ainda hoje vê-se críticos, autores
e estudiosos da Teoria Literária às voltas com uma pergunta que, à primeira
vista, parece simples, mas que mostra-se de difícil resposta ao se refletir
sobre ela: o que é Literatura? Esse questionamento gera outras perguntas, tais
como: que tipo de texto pode ser considerado literário? Qual o papel do autor?
Qual o papel do leitor? São muitas as perguntas e seria preciso escrever um
livro apenas para se discutir algumas delas – discutir, não necessariamente
esclarecê-las. Portanto, decidi deter-me em uma questão que considero
fundamental e central da literatura: a figura do autor. Para isso, voltamos a
uma das perguntas feitas acima: qual o papel do autor?
Muitos estudiosos importantes debruçaram-se
sobre essa questão, gerando as mais diversas teorias. Foucault, Barthes,
Bakhtin e Eagleton são apenas alguns deles. Questionaram, por exemplo, quem
seria o sujeito mais importante do ato literário: o autor ou o leitor? Livros
são escritos para serem lidos e só são lidos porque foram escritos. Esse
cabo-de-guerra gerou inúmeras teorias e discussões que tentaram esclarecer essa
questão. Em meados da década de setenta do século passado, Roland Barthes
surgiu com uma teoria que gerou uma polêmica que dura até hoje nos círculos
literários e acadêmicos: ele propôs a morte do autor.
Como sempre ocorre, essa teoria
dividiu críticos e teóricos em dois campos radicalmente opostos e que nem
sempre entenderam os conceitos elaborados por Barthes. Afinal, o que seria a
morte do autor? Seria negar ao autor sua importância em relação ao texto?
Alguns defensores desta ideia podem se apegar às palavras do próprio Barthes quando
ele diz que o ato de escrever faz o autor e não o contrário, já que o autor
sofreria influências do contexto social e histórico no qual estaria inserido. Ou
poderiam se basear novamente em Barthes quando ele diz que a linguagem sofre a
influência do Poder, que a tudo permeia e do qual nada nem ninguém escapa. A
língua, assim, seria uma expressão do Poder. Ou seja, o autor não usaria a
linguagem, ao contrário, seria usado por ela.
Creio que, entender dessa forma o
conceito de “morte do autor” emitido por Barthes não passa de uma simplificação
de suas ideias. Na verdade, um texto só existe de fato no momento em que está
sendo escrito ou no momento em que está sendo lido. Dessa forma, ambos – autor
e leitor – seriam “produtores do texto”.
Outros argumentam que, ao ser
publicado, o texto como que se desvincula do autor, o autor perde seu poder
sobre ele. Conforme Foucault, o autor, em relação ao texto, seria exterior e
anterior, pelo menos em aparência. De certa forma, isso é verdade: um texto,
muitas vezes, foge ao controle do autor. Gera tantas interpretações quantos
leitores o leiam; seus personagens, às vezes, acabam se tornando mais
conhecidos que os seus criadores (veja-se o caso de “Drácula”, de Bram Stoker);
seus textos servem de inspiração para obras que neles se baseiam (é o caso de
“Amor de Capitu”, de Fernando Sabino, inspirado na obra de Machado de Assis,
“Dom Casmurro”, ou do livro “Sexta-Feira ou os limbos do Pacífico”, de Michel
Tournier, baseado em “Robinson Crusoé”). Porém, podemos nos perguntar se o
autor perdeu realmente o poder sobre sua obra ou sobre as ideias que expôs. No caso
do livro de Michel Tournier, citado acima, o que o autor fez foi abordar uma
outra faceta da história, no caso, uma possível relação homossexual entre
Crusoé e o índio Sexta-Feira. “Robinson Crusoé” permanece intocado em sua
essência, o que se fez foi expandir suas possibilidades narrativas. Isso sem
contar que depende do autor possíveis alterações, revisões ou até mesmo autores
que renegam certas obras por considerá-las “menores” no conjunto da sua obra. Essa
é uma prerrogativa exclusiva do autor. Esses argumentos podem ser reforçados
pelas palavras do próprio Barthes quando ele define o leitor “não como um
indivíduo personalizado, como certa crítica literária vê o autor. É, antes, um
lugar, não preenchido por um ser individual, o espaço da unidade do texto,
unidade que não é conseguida pelo lado do autor, mas pelo do leitor”.
Mesmo que o autor não dê ao texto
nenhum sentido prévio que possa orientar a leitura, não se vê porque “o leitor
– que, como o autor, também deveria ter sido atingido pela ‘crise do sujeito’ –
não é afetado pela mesma suspeição com que aquele é visto”, conforme diz Rosa
Maria Goulart. Se, conforme Barthes, “a linguagem conhece um ‘sujeito’, não uma
‘pessoa’”, autor e leitor seriam sujeitos do texto, assim como o próprio
personagem, que reflete a ‘voz’ do autor, mas que não deixa de ter sua voz
própria.
Entendo a “morte do
autor”, proposta por Barthes, não como uma morte literal, como muitos
acreditam, e sim como um deslocamento desse autor, uma tentativa de fuga da
própria linguagem, ao mesmo tempo em que tenta trazer o leitor para sua obra,
fazê-lo participar dela, ambos sendo autor e personagem de uma história várias
vezes reescrita, ao mesmo tempo em que é imutável. A Literatura é esse elo
entre os dois polos. Como já disse um autor, escrever (e ler) é, antes de tudo,
exorcizar demônios.
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