terça-feira, 28 de maio de 2013

Roland Barthes e a morte do autor


Ainda hoje vê-se críticos, autores e estudiosos da Teoria Literária às voltas com uma pergunta que, à primeira vista, parece simples, mas que mostra-se de difícil resposta ao se refletir sobre ela: o que é Literatura? Esse questionamento gera outras perguntas, tais como: que tipo de texto pode ser considerado literário? Qual o papel do autor? Qual o papel do leitor? São muitas as perguntas e seria preciso escrever um livro apenas para se discutir algumas delas – discutir, não necessariamente esclarecê-las. Portanto, decidi deter-me em uma questão que considero fundamental e central da literatura: a figura do autor. Para isso, voltamos a uma das perguntas feitas acima: qual o papel do autor?
Muitos estudiosos importantes debruçaram-se sobre essa questão, gerando as mais diversas teorias. Foucault, Barthes, Bakhtin e Eagleton são apenas alguns deles. Questionaram, por exemplo, quem seria o sujeito mais importante do ato literário: o autor ou o leitor? Livros são escritos para serem lidos e só são lidos porque foram escritos. Esse cabo-de-guerra gerou inúmeras teorias e discussões que tentaram esclarecer essa questão. Em meados da década de setenta do século passado, Roland Barthes surgiu com uma teoria que gerou uma polêmica que dura até hoje nos círculos literários e acadêmicos: ele propôs a morte do autor.
Como sempre ocorre, essa teoria dividiu críticos e teóricos em dois campos radicalmente opostos e que nem sempre entenderam os conceitos elaborados por Barthes. Afinal, o que seria a morte do autor? Seria negar ao autor sua importância em relação ao texto? Alguns defensores desta ideia podem se apegar às palavras do próprio Barthes quando ele diz que o ato de escrever faz o autor e não o contrário, já que o autor sofreria influências do contexto social e histórico no qual estaria inserido. Ou poderiam se basear novamente em Barthes quando ele diz que a linguagem sofre a influência do Poder, que a tudo permeia e do qual nada nem ninguém escapa. A língua, assim, seria uma expressão do Poder. Ou seja, o autor não usaria a linguagem, ao contrário, seria usado por ela.
Creio que, entender dessa forma o conceito de “morte do autor” emitido por Barthes não passa de uma simplificação de suas ideias. Na verdade, um texto só existe de fato no momento em que está sendo escrito ou no momento em que está sendo lido. Dessa forma, ambos – autor e leitor – seriam “produtores do texto”.
Outros argumentam que, ao ser publicado, o texto como que se desvincula do autor, o autor perde seu poder sobre ele. Conforme Foucault, o autor, em relação ao texto, seria exterior e anterior, pelo menos em aparência. De certa forma, isso é verdade: um texto, muitas vezes, foge ao controle do autor. Gera tantas interpretações quantos leitores o leiam; seus personagens, às vezes, acabam se tornando mais conhecidos que os seus criadores (veja-se o caso de “Drácula”, de Bram Stoker); seus textos servem de inspiração para obras que neles se baseiam (é o caso de “Amor de Capitu”, de Fernando Sabino, inspirado na obra de Machado de Assis, “Dom Casmurro”, ou do livro “Sexta-Feira ou os limbos do Pacífico”, de Michel Tournier, baseado em “Robinson Crusoé”). Porém, podemos nos perguntar se o autor perdeu realmente o poder sobre sua obra ou sobre as ideias que expôs. No caso do livro de Michel Tournier, citado acima, o que o autor fez foi abordar uma outra faceta da história, no caso, uma possível relação homossexual entre Crusoé e o índio Sexta-Feira. “Robinson Crusoé” permanece intocado em sua essência, o que se fez foi expandir suas possibilidades narrativas. Isso sem contar que depende do autor possíveis alterações, revisões ou até mesmo autores que renegam certas obras por considerá-las “menores” no conjunto da sua obra. Essa é uma prerrogativa exclusiva do autor. Esses argumentos podem ser reforçados pelas palavras do próprio Barthes quando ele define o leitor “não como um indivíduo personalizado, como certa crítica literária vê o autor. É, antes, um lugar, não preenchido por um ser individual, o espaço da unidade do texto, unidade que não é conseguida pelo lado do autor, mas pelo do leitor”.
Mesmo que o autor não dê ao texto nenhum sentido prévio que possa orientar a leitura, não se vê porque “o leitor – que, como o autor, também deveria ter sido atingido pela ‘crise do sujeito’ – não é afetado pela mesma suspeição com que aquele é visto”, conforme diz Rosa Maria Goulart. Se, conforme Barthes, “a linguagem conhece um ‘sujeito’, não uma ‘pessoa’”, autor e leitor seriam sujeitos do texto, assim como o próprio personagem, que reflete a ‘voz’ do autor, mas que não deixa de ter sua voz própria.
Entendo a “morte do autor”, proposta por Barthes, não como uma morte literal, como muitos acreditam, e sim como um deslocamento desse autor, uma tentativa de fuga da própria linguagem, ao mesmo tempo em que tenta trazer o leitor para sua obra, fazê-lo participar dela, ambos sendo autor e personagem de uma história várias vezes reescrita, ao mesmo tempo em que é imutável. A Literatura é esse elo entre os dois polos. Como já disse um autor, escrever (e ler) é, antes de tudo, exorcizar demônios.             

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