O livro “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess,
completou 50 anos e ainda hoje desperta controvérsias. Para muitos, o livro é
apenas uma apologia da violência desenfreada, encabeçada por Alex e seus
‘druguis’; para outros, o livro levanta discussões que são válidas até os dias
de hoje.
É curioso observar que tanto a primeira edição
americana do livro quanto o filme produzido por Stanley Kubrick – baseado na
edição americana – omitiram o último capítulo, que saiu na edição inglesa e nas
edições europeias. Este capítulo mostra um Alex passando para a idade adulta e
começando a questionar a validade do que ele e seus amigos faziam. Toda aquela
violência sem sentido começa a cansá-lo e ele, que já possui um emprego, passa
a pensar em casar e em ter filhos. O editor americano considerou o final muito
piegas e resolveu cortá-lo da edição.
“Laranja Mecânica” é recheado de violência – a
ultraviolência, citada por Alex: roubos, espancamentos, estupros, brigas de
gangues. Os adolescentes utilizam a violência como forma de descarregar suas
energias, além de procurar ter uma voz em um mundo que lhes nega isso. Prender
os jovens não resolve o problema. Para tentar resolver a questão da violência, o
governo resolve implantar um programa que mistura hipnose, drogas e filmes que
apresentam cenas de violência. A ideia é que essa misture cause náuseas aos
jovens só de estes pensarem em cometer um ato violento.
O que Anthony Burgess questiona no livro não é se é
certo ou errado deixar que os jovens cometam violência impunemente, mas a
maneira como essa punição seria feita. O processo descrito no livro para conter
a violência de Alex o transformou em um ser sem “livre arbítrio”, ou seja, ele
não teria condições de escolher entre o Bem e o Mal. Suas reações seriam
induzidas pelo programa que o faria sempre escolher o que se consideraria ser o
Bem. Burgess, de educação católica, tinha estes conceitos bem enraizados e
utilizou-os de forma discreta no livro,
para que este não parecesse um livro de auto-ajuda ou um catecismo. Isso foi
motivado pelo fato de que processos como o descrito no livro estavam sendo
propostos na Inglaterra por cientistas respeitáveis, que pregavam que o
bem-estar da sociedade deveria prevalecer sobre a liberdade individual –
conceitos estes utilizados por ditaduras no mundo inteiro e discutidos em
livros como “1984”, de George Orwell, e “Admirável Mundo Novo”, de Aldous
Huxley.
Longe de defender a violência, Burgess discutia a
questão da liberdade individual. Se a liberdade fosse cerceada em nome de um
bem-estar social, mesmo que por motivos aparentemente justificáveis, poderia
ser cerceada em outras situações, tudo em nome da sociedade.
Vemos isso atualmente. Em nome de situações
“politicamente corretas”, pessoas querem nos impor o que podemos ou não fazer e
dizer. Tudo isso seria para o bem-estar da sociedade. Mas, será que, para que
esse bem-estar ocorra, devemos passar por uma lavagem cerebral igual a de Alex?
Devemos perder nossa opção de escolha?
Livros como “1984”, “Admirável Mundo Novo” e
“Laranja Mecânica” deveriam ser lidos e discutidos em escolas e universidades.
Eles nos alertam para situações que vemos ocorrer diariamente. Sob o discurso
da “liberdade” e do “bem-estar social” somos obrigados a repetir certos
comportamentos e discursos como animais treinados. Contudo, é certo defender a
liberdade cerceando essa mesma liberdade?
Não podemos esquecer que a justificativa dos
militares para o golpe de 1964 foi defender a liberdade e o bem-estar social.
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