domingo, 28 de julho de 2013

Marcel Duchamp: quando um mictório vira “arte”



Mesmo as pessoas que não são estudiosas da “arte” já ouviram falar do ato de Marcel Duchamp que incluiu um mictório em uma exposição de “arte”. O gesto, a princípio, causou estranheza e muitos, até hoje, não conseguiram entender a sua intenção. Na verdade, longe de pretender apenas chocar, Duchamp quis, com este gesto, mostrar que arte é tudo aquilo que passa pela aceitação das instituições abalizadas, que determinam o que é arte ou não.
Se pararmos para pensar o que realmente é arte, veremos que essa não é uma resposta fácil. Na verdade, o conceito de arte varia com o passar dos séculos e com as mudanças sociais e tecnológicas que naturalmente vão ocorrendo. Um bom exemplo disso é a fotografia. Nos seus primórdios, a fotografia era vista como um simples processo mecânico de fixação de uma imagem. Ela não dependia da sensibilidade e do trabalho do artista. Era só apontar aquela engenhoca e pronto! Tínhamos uma foto de uma paisagem, de um animal ou de uma pessoa.
Com um quadro a coisa era diferente. O artista observava ângulos, luzes, cores. Podia incluir elementos que não participavam da paisagem natural, como aves voando ou nuvens. O quadro era um ato de criação; a fotografia era apenas a produção de uma máquina. Hoje, entretanto, a fotografia adquiriu ‘status’ de arte e existem várias exposições de fotógrafos famosos pelo mundo todo.
Mesmo elementos que foram criados com outros fins que não o “artístico”, acabam virando arte. Máscaras utilizadas em rituais de tribos africanas ou indígenas brasileiros, que foram confeccionadas com propósitos religiosos, acabam sendo expostas em alguma galeria ou em uma exposição fotográfica e passam a ser consideradas arte, desvirtuadas de seu propósito inicial. O teto de muitas igrejas, com suas pinturas com motivos religiosos, passam a ser considerados arte.    
A música é uma arte, mas nem toda música é considerada arte; livros são arte, mas nem todos os livros são considerados artísticos; e o mesmo vale para quadros, estátuas, dança. Muitos edifícios, por seu projeto arquitetônico ousado, são considerados como sendo arte, enquanto outros não. Uma pintura rupestre, que contava o dia-a-dia do povo pré-histórico, hoje em dia é considerada arte. A pintura surrealista, durante muito tempo, não foi considerada como sendo arte; o verso livre, também.    
Ou seja, arte é tudo aquilo que passa a ser aceita como tal por instituições sociais: museus, galerias, bibliotecas, pinacotecas. O que está fora destas instituições não é arte. Daí compreende-se o gesto de Duchamp: um mictório em seu banheiro não será olhado por você como um objeto de arte; porém, se ele estiver em um museu ou em uma galeria, você irá dizer que a intenção do artista é a de mostrar o lado animal de todos nós, ao compor aquela obra.
Aceitamos como arte o que as instituições “abalizadas” nos dizem que é arte. Neste caso, o mictório de Duchamp, em um museu ou galeria, torna-se o mais genuíno objeto de arte.   
 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

O livro “Laranja Mecânica” é apenas uma apologia à violência?

O livro “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess, completou 50 anos e ainda hoje desperta controvérsias. Para muitos, o livro é apenas uma apologia da violência desenfreada, encabeçada por Alex e seus ‘druguis’; para outros, o livro levanta discussões que são válidas até os dias de hoje.
É curioso observar que tanto a primeira edição americana do livro quanto o filme produzido por Stanley Kubrick – baseado na edição americana – omitiram o último capítulo, que saiu na edição inglesa e nas edições europeias. Este capítulo mostra um Alex passando para a idade adulta e começando a questionar a validade do que ele e seus amigos faziam. Toda aquela violência sem sentido começa a cansá-lo e ele, que já possui um emprego, passa a pensar em casar e em ter filhos. O editor americano considerou o final muito piegas e resolveu cortá-lo da edição.
“Laranja Mecânica” é recheado de violência – a ultraviolência, citada por Alex: roubos, espancamentos, estupros, brigas de gangues. Os adolescentes utilizam a violência como forma de descarregar suas energias, além de procurar ter uma voz em um mundo que lhes nega isso. Prender os jovens não resolve o problema. Para tentar resolver a questão da violência, o governo resolve implantar um programa que mistura hipnose, drogas e filmes que apresentam cenas de violência. A ideia é que essa misture cause náuseas aos jovens só de estes pensarem em cometer um ato violento.
O que Anthony Burgess questiona no livro não é se é certo ou errado deixar que os jovens cometam violência impunemente, mas a maneira como essa punição seria feita. O processo descrito no livro para conter a violência de Alex o transformou em um ser sem “livre arbítrio”, ou seja, ele não teria condições de escolher entre o Bem e o Mal. Suas reações seriam induzidas pelo programa que o faria sempre escolher o que se consideraria ser o Bem. Burgess, de educação católica, tinha estes conceitos bem enraizados e utilizou-os  de forma discreta no livro, para que este não parecesse um livro de auto-ajuda ou um catecismo. Isso foi motivado pelo fato de que processos como o descrito no livro estavam sendo propostos na Inglaterra por cientistas respeitáveis, que pregavam que o bem-estar da sociedade deveria prevalecer sobre a liberdade individual – conceitos estes utilizados por ditaduras no mundo inteiro e discutidos em livros como “1984”, de George Orwell, e “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley.
Longe de defender a violência, Burgess discutia a questão da liberdade individual. Se a liberdade fosse cerceada em nome de um bem-estar social, mesmo que por motivos aparentemente justificáveis, poderia ser cerceada em outras situações, tudo em nome da sociedade.
Vemos isso atualmente. Em nome de situações “politicamente corretas”, pessoas querem nos impor o que podemos ou não fazer e dizer. Tudo isso seria para o bem-estar da sociedade. Mas, será que, para que esse bem-estar ocorra, devemos passar por uma lavagem cerebral igual a de Alex? Devemos perder nossa opção de escolha?
Livros como “1984”, “Admirável Mundo Novo” e “Laranja Mecânica” deveriam ser lidos e discutidos em escolas e universidades. Eles nos alertam para situações que vemos ocorrer diariamente. Sob o discurso da “liberdade” e do “bem-estar social” somos obrigados a repetir certos comportamentos e discursos como animais treinados. Contudo, é certo defender a liberdade cerceando essa mesma liberdade?
Não podemos esquecer que a justificativa dos militares para o golpe de 1964 foi defender a liberdade e o bem-estar social.            

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Museu da Língua Portuguesa homenageia cronista Rubem Braga

O Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, realiza uma exposição comemorativa do centenário do cronista Rubem Braga. A exposição chama-se “O fazendeiro do ar”. O período de visitação vai de 25 de junho a 01 de setembro de 2013. 
A exposição exibirá textos, documentos, desenhos, fotografias, correspondências, depoimentos em vídeo e objetos pertencentes ao escritor. 
A a exposição tem a curadoria do escritor, jornalista e cronista Joaquim Ferreira dos Santos, e está dividida em módulos temáticos. O primeiro é Retratos, que mostra a infância de Rubem Braga em Cachoeiro do Itapemirim, sua cidade natal; o outro módulo chama-se Redação, e mostra a experiência do cronista como repórter e redator de jornais; o terceiro módulo chama-se Guerra, e mostra sua participação como correspondente de guerra, na Itália; Passarinhos é o quarto módulo, e mostra sua paixão por pássaros, paixão que se reflete nos seus textos; o último módulo é Cobertura, e mostra a cobertura que o cronista tinha em Ipanema, tentando trazer o mundo rural para a selva de concreto.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

A poesia de Walt Whitman

Walt Whitman é um importante poeta norte-americano que só se tornou mais conhecido no Brasil graças ao filme “Sociedade dos Poetas Mortos”, que tinha Robin Williams no papel de um professor de literatura americana.
A importância de Walt Whitman, o “poeta da Liberdade”, pode ser vista no poema que Fernando Pessoa, um dos maiores poetas de língua portuguesa, dedicou a ele, por intermédio de um de seus heterônimos mais famosos, Álvaro de Campos. Em sua, “Saudação a Walt Whitman”, Pessoa/Campos escreveu:

“Nunca posso ler os teus versos a fio... Há ali sentir demais... [...]
E cheira-me a suor, a óleos, a atividade humana e mecânica.
Nos teus versos, a certa altura não sei se leio ou se vivo,
Não sei se o meu lugar real é o mundo ou nos teus versos,
Não sei se estou aqui, de pé sobre a terra natural.”

Um poeta da estatura de Walt Whitman não podia deixar de ter sua obra publicada no Brasil. Porém, somente após 113 anos de sua morte, a Editora Martin Claret publicou a edição completa de “Folhas de Relva”. Uma edição que faz justiça a um dos maiores nomes da poesia norte-americana e – por que não dizer? –, mundial.
Em 1855, Whitman publicou, às suas custas, o que se tornaria a primeira edição de “Folhas de Relva”, compostas por apenas 12 longos poemas. O livro, entretanto, causou estranheza e criou algumas polêmicas, sendo criticado severamente pelos críticos da época.
Assim como ocorria no Brasil, os escritores e poetas pré-Whitman baseavam seus escritos no modelo europeu – no Brasil, essa tentativa de ruptura veio a ocorrer apenas no Modernismo. Whitman inovou, iniciando uma poesia “moderna”, rompendo com a subjugação ao modelo europeu até então utilizado. Foi um poeta inovador na escrita e nos temas abordados. Em seus versos, deu voz a grupos que antes não tinham voz; cantou o cotidiano, a vida simples, a natureza americana, o século em rápida transformação. Cantou também o corpo e o desejo, a sensualidade latente, mas que permanecia oculta sob uma camada de “verniz social”, subordinada às convenções de sua época.
Whitman cantou o seu tempo. Assistiu in loco às diversas mudanças pelas quais passava os Estados Unidos, tais como a Guerra de Secessão e o crescimento industrial e econômico do país em meados do século XIX, mudanças estas que não se refletiam apenas na paisagem, mas também no pensamento e no comportamento das pessoas. Nos seus poemas, Whitman nos mostra estas transformações, o crescimento das cidades, os novos meios de transporte, os bairros pobres que surgem com a industrialização.
Mas Whitman não se limitou a ser, apenas, o poeta do ‘social’. Assim como William Blake, considerado um visionário, por uns, e um louco, por outros, Whitman cantou a exaltação mística. Não essa pretensa exaltação que se vê nas Igrejas, mas sim a comunhão com a natureza, com todas as coisas que existem, num quase paganismo que o faria ser queimado na fogueira da Inquisição, em outra época. Whitman pode ser considerado o que se chama de monista. A diferença entre um monista e um monoteísta é que, para este, existe um único Deus; para aquele, só há Deus. Deus está em tudo, ao mesmo tempo em que transcende a tudo. Para os monistas, esta seria a explicação das palavras de Jesus, quando Ele nos diz que “Eu e o Pai somos um. Eu estou no Pai e o Pai está em Mim, mas o Pai é maior do que Eu”. Este pensamento é reforçado pelo filósofo Espinoza, quando afirma que “Deus é a alma do Universo, e o Universo é o corpo de Deus”.
Nos seus poemas, Whitman exalta essa união do ser humano com a natureza, com o Sol, com o calor e o frio, com os sons e os cheiros do mundo, num êxtase quase místico. Uma verdadeira exaltação à Vida. Para Whitman, ninguém precisa ser um ermitão, morando sozinho em uma montanha isolada, para atingir a comunhão com Deus. Deus está ao nosso redor, está nas árvores, no ar, no Sol, nas pessoas próximas a nós.  
Muitos dizem que Whitman era o poeta das massas e da democracia. Porém, mais do que isso, Whitman era o poeta do Eu, da individualidade perdida na coletividade, mas ainda assim uma individualidade. Um Eu que procurava se destacar da massa anônima confundida no rebanho. Pode-se perceber esta mesma característica nos poemas de Fernando Pessoa, um admirador confesso de Whitman.
Whitman parecia querer “acordar” as pessoas para que elas tivessem consciência dessa individualidade. Em um mundo que estava se tornando automatizado demais, mecânico demais, até mesmo as pessoas começavam a agir de modo mecânico e automatizado. Whitman parecia amar as pessoas, indiferentemente, independente de ser homem ou mulher, adulto ou criança, branco ou preto. Seu monismo latente o fazia ver a todos como irmãos, por isso esse ardor social, democrático, que permeia seus versos. Mais do que um gesto político, seus poemas exaltam essas individualidades ligadas à Unidade.
Para ele, dizer que todos somos iguais, mais do que um aspecto legal ou pieguismo religioso, era a pura verdade.