Mesmo as pessoas que não são estudiosas da “arte” já ouviram falar do
ato de Marcel Duchamp que incluiu um mictório em uma exposição de “arte”. O
gesto, a princípio, causou estranheza e muitos, até hoje, não conseguiram
entender a sua intenção. Na verdade, longe de pretender apenas chocar, Duchamp quis,
com este gesto, mostrar que arte é tudo aquilo que passa pela aceitação das
instituições abalizadas, que determinam o que é arte ou não.
Se pararmos para pensar o que realmente é arte, veremos que essa não é
uma resposta fácil. Na verdade, o conceito de arte varia com o passar dos
séculos e com as mudanças sociais e tecnológicas que naturalmente vão
ocorrendo. Um bom exemplo disso é a fotografia. Nos seus primórdios, a
fotografia era vista como um simples processo mecânico de fixação de uma
imagem. Ela não dependia da sensibilidade e do trabalho do artista. Era só
apontar aquela engenhoca e pronto! Tínhamos uma foto de uma paisagem, de um
animal ou de uma pessoa.
Com um quadro a coisa era diferente. O artista observava ângulos, luzes,
cores. Podia incluir elementos que não participavam da paisagem natural, como
aves voando ou nuvens. O quadro era um ato de criação; a fotografia era apenas
a produção de uma máquina. Hoje, entretanto, a fotografia adquiriu ‘status’ de
arte e existem várias exposições de fotógrafos famosos pelo mundo todo.
Mesmo elementos que foram criados com outros fins que não o “artístico”,
acabam virando arte. Máscaras utilizadas em rituais de tribos africanas ou
indígenas brasileiros, que foram confeccionadas com propósitos religiosos,
acabam sendo expostas em alguma galeria ou em uma exposição fotográfica e
passam a ser consideradas arte, desvirtuadas de seu propósito inicial. O teto
de muitas igrejas, com suas pinturas com motivos religiosos, passam a ser
considerados arte.
A música é uma arte, mas nem toda música é considerada arte; livros são
arte, mas nem todos os livros são considerados artísticos; e o mesmo vale para
quadros, estátuas, dança. Muitos edifícios, por seu projeto arquitetônico
ousado, são considerados como sendo arte, enquanto outros não. Uma pintura
rupestre, que contava o dia-a-dia do povo pré-histórico, hoje em dia é
considerada arte. A pintura surrealista, durante muito tempo, não foi
considerada como sendo arte; o verso livre, também.
Ou seja, arte é tudo aquilo que passa a ser aceita como tal por
instituições sociais: museus, galerias, bibliotecas, pinacotecas. O que está
fora destas instituições não é arte. Daí compreende-se o gesto de Duchamp: um
mictório em seu banheiro não será olhado por você como um objeto de arte;
porém, se ele estiver em um museu ou em uma galeria, você irá dizer que a
intenção do artista é a de mostrar o lado animal de todos nós, ao compor aquela
obra.
Aceitamos como arte o que as instituições “abalizadas” nos dizem que é
arte. Neste caso, o mictório de Duchamp, em um museu ou galeria, torna-se o
mais genuíno objeto de arte.