sábado, 16 de fevereiro de 2013

O retorno das histórias de cavalaria e a modernidade



Ultimamente, temos visto um retorno a um tipo de história que andava meio esquecida, desde as sagas sobre a lenda do Rei Arthur: as histórias de cavalaria, situadas em mundos que lembram a nossa Idade Média.
Na década de 80, tivemos “As brumas de Avalon”, de Marion Zimmer Bradley, que tratava a lenda do Rei Arthur sob um ponto de vista feminino. Desde então, não tivemos nada de grande relevância na literatura, até a redescoberta de uma obra que andava meio esquecida no restante do mundo e que, no Brasil, era quase desconhecida: “O Senhor dos Anéis”.
Com o sucesso de “O Senhor dos Anéis”, várias histórias começaram a surgir na literatura mundial. Novas edições de “D. Quixote” foram publicadas, além de presenciarmos o surgimento de obras modernas como “Crônicas de Gelo e Fogo”, de George R. R. Martin, “Rangers – Ordem dos Arqueiros”, de John Flanagan, e “Crônicas de Nárnia”, de C. S. Lewis. Na televisão, temos visto o ressurgimento do tema em séries como “Merlin”, além de vários filmes e seriados sobre dragões.
Em uma época marcada pela profusão de novidades tecnológicas, temos presenciado um retorno a temas antigos e tradicionais, com os quais a nossa pretensa modernidade pretendia romper. É a famosa ruptura da tradição ou tradição da ruptura, conceito tão bem desenvolvido por Otávio Paz.
Histórias de bruxas – ou bruxos, como é o caso de Harry Potter – e releituras de contos infantis – como são os casos de filmes como “João e Maria”, vários sobre Branca de Neve, além de uma série intitulada “Once upon a time”, uma miscelânea de contos infantis – têm preenchido a nossa televisão, cinema e literatura. Isso sem contar a enxurrada de filmes e livros sobre vampiros e lobisomens. O antigo e o tradicional estão reencontrando seu espaço na nossa modernidade.
O mundo antigo seria mais fácil de suportar do que a nossa caótica modernidade? Seria mais fácil viver em um mundo onde a justiça era feita na ponta da espada e julgamentos eram realizados por combate? Seria isso mais fácil do que as nossas várias leis corrompidas para uso pessoal dos poderosos? Afinal, somos assim tão diferentes das pessoas daquela época?
Na Idade Média, os reis e senhores detinham poder de vida e morte sobre seus súditos. As leis eram feitas de acordo com a vontade real e eram quebradas sem a menor cerimônia, sem que o povo pudesse questionar. Hoje em dia, isso mudou – diriam alguns. Mas, será que mudou mesmo?
O povo pode reclamar, mas até que ponto essas reclamações têm validade? No Brasil, vemos, todos os dias, o povo reclamando dos abusos do Congresso, onde deputados e senadores criam leis que os beneficiam, aumentam seus próprios salários e presenteiam a si mesmos com imunidades. Professores e médicos, por exemplo, ganham uma miséria, enquanto nossos políticos ganham fortunas e nem se dignam a comparecer ao Congresso para honrar seus vultosos salários.
Ou seja, os poderosos continuam cada vez mais poderosos, enquanto o povo continua sendo o camponês ignorante, temente ao seu suserano. Somos nós que elegemos os nossos governantes, mas os tratamos com um temor quase reverente, quando deveriam ser eles a nos agradecer por ocuparem os cargos que ocupam.
“Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”, diria Belchior. Ainda vivemos como na Idade Média: os pequenos com medo dos poderosos; os poderosos agindo de forma autoritária e arbitrária, sem serem punidos; o camponês que produz passando fome, enquanto os poderosos jogam comida no lixo; os filhos dos poderosos estudando nos Estados Unidos ou Europa, enquanto a maioria do nosso povo permanece na ignorância. Na Idade Média, os filhos dos camponeses não tinham permissão para estudar; os filhos dos nossos camponeses estudam, mas recebem uma educação que só se preocupa com índices para agradar ao FMI, mas que mantém nossos alunos na ignorância. Vemos alunos saindo do Ensino Médio quase sem saber ler ou escrever de uma forma minimamente aceitável. E isso não ocorre apenas no Brasil.
Será que essa onda de histórias de cavalaria não é um reflexo inconsciente do que acontece em nossa época? Um alerta inconsciente para mostrar que a tão apregoada modernidade na verdade não ocorreu?
Nossa política é uma verdadeira Guerra dos Tronos. O mundo está cheio de Cerceis, Jaimes e Tyrions Lannisters. E, o que é pior: Saurons, também.     

Nenhum comentário:

Postar um comentário