Ultimamente, temos visto um retorno a um tipo de história
que andava meio esquecida, desde as sagas sobre a lenda do Rei Arthur: as
histórias de cavalaria, situadas em mundos que lembram a nossa Idade Média.
Na década de 80, tivemos “As brumas de Avalon”, de Marion
Zimmer Bradley, que tratava a lenda do Rei Arthur sob um ponto de vista
feminino. Desde então, não tivemos nada de grande relevância na literatura, até
a redescoberta de uma obra que andava meio esquecida no restante do mundo e
que, no Brasil, era quase desconhecida: “O Senhor dos Anéis”.
Com o sucesso de “O Senhor dos Anéis”, várias histórias
começaram a surgir na literatura mundial. Novas edições de “D. Quixote” foram
publicadas, além de presenciarmos o surgimento de obras modernas como “Crônicas
de Gelo e Fogo”, de George R. R. Martin, “Rangers – Ordem dos Arqueiros”, de
John Flanagan, e “Crônicas de Nárnia”, de C. S. Lewis. Na televisão, temos
visto o ressurgimento do tema em séries como “Merlin”, além de vários filmes e
seriados sobre dragões.
Em uma época marcada pela profusão de novidades
tecnológicas, temos presenciado um retorno a temas antigos e tradicionais, com
os quais a nossa pretensa modernidade pretendia romper. É a famosa ruptura da
tradição ou tradição da ruptura, conceito tão bem desenvolvido por Otávio Paz.
Histórias de bruxas – ou bruxos, como é o caso de Harry
Potter – e releituras de contos infantis – como são os casos de filmes como
“João e Maria”, vários sobre Branca de Neve, além de uma série intitulada “Once
upon a time”, uma miscelânea de contos infantis – têm preenchido a nossa
televisão, cinema e literatura. Isso sem contar a enxurrada de filmes e livros
sobre vampiros e lobisomens. O antigo e o tradicional estão reencontrando seu
espaço na nossa modernidade.
O mundo antigo seria mais fácil de suportar do que a nossa
caótica modernidade? Seria mais fácil viver em um mundo onde a justiça era
feita na ponta da espada e julgamentos eram realizados por combate? Seria isso
mais fácil do que as nossas várias leis corrompidas para uso pessoal dos
poderosos? Afinal, somos assim tão diferentes das pessoas daquela época?
Na Idade Média, os reis e senhores detinham poder de vida
e morte sobre seus súditos. As leis eram feitas de acordo com a vontade real e
eram quebradas sem a menor cerimônia, sem que o povo pudesse questionar. Hoje
em dia, isso mudou – diriam alguns. Mas, será que mudou mesmo?
O povo pode reclamar, mas até que ponto essas reclamações
têm validade? No Brasil, vemos, todos os dias, o povo reclamando dos abusos do
Congresso, onde deputados e senadores criam leis que os beneficiam, aumentam
seus próprios salários e presenteiam a si mesmos com imunidades. Professores e
médicos, por exemplo, ganham uma miséria, enquanto nossos políticos ganham
fortunas e nem se dignam a comparecer ao Congresso para honrar seus vultosos
salários.
Ou seja, os poderosos continuam cada vez mais poderosos,
enquanto o povo continua sendo o camponês ignorante, temente ao seu suserano.
Somos nós que elegemos os nossos governantes, mas os tratamos com um temor
quase reverente, quando deveriam ser eles a nos agradecer por ocuparem os
cargos que ocupam.
“Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”, diria
Belchior. Ainda vivemos como na Idade Média: os pequenos com medo dos
poderosos; os poderosos agindo de forma autoritária e arbitrária, sem serem
punidos; o camponês que produz passando fome, enquanto os poderosos jogam
comida no lixo; os filhos dos poderosos estudando nos Estados Unidos ou Europa,
enquanto a maioria do nosso povo permanece na ignorância. Na Idade Média, os
filhos dos camponeses não tinham permissão para estudar; os filhos dos nossos
camponeses estudam, mas recebem uma educação que só se preocupa com índices
para agradar ao FMI, mas que mantém nossos alunos na ignorância. Vemos alunos
saindo do Ensino Médio quase sem saber ler ou escrever de uma forma minimamente
aceitável. E isso não ocorre apenas no Brasil.
Será que essa onda de histórias de cavalaria não é um
reflexo inconsciente do que acontece em nossa época? Um alerta inconsciente
para mostrar que a tão apregoada modernidade na verdade não ocorreu?
Nossa política é uma verdadeira Guerra dos Tronos. O mundo
está cheio de Cerceis, Jaimes e Tyrions Lannisters. E, o que é pior: Saurons,
também.
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