Bocage é um dos mais importantes poetas de Portugal,
formando com Luís Vaz de Camões e Antero de Quental a Santíssima Trindade da
poesia lusitana. Se incluirmos Fernando Pessoa, seriam o Quarteto Fantástico da
poesia portuguesa. Inclusive, não raro nos deparamos com comparações entre
Bocage e Camões, tanto pela importância de ambos na literatura portuguesa
quanto por semelhanças entre a vida dos dois poetas. Muitos dos acontecimentos da
vida de Bocage guardam semelhanças com situações que ocorreram com Camões. Porém,
é necessária alguma cautela ao examinarmos esses acontecimentos, já que na vida
dos dois poetas fatos biográficos e mito não raro se confundem.
Bocage é um confesso admirador de Camões, com quem se
compara nas desventuras da vida, mas reconhece-se um poeta “inferior” ao
mestre, conforme se pode observar nas estrofes abaixo:
Camões, grande Camões, quão
semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os
cotejo!
Igual causa no fez perdendo o Tejo
Arrostar co sacrílego gigante:
[...]
Modelo meu tu és... Mas, oh
tristeza!
Se te imito nos transes da
Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.
Bocage parecia perseguir, de forma consciente, essas
semelhanças, levando-nos a considerar que muitas das situações foram planejadas
pelo próprio Bocage para que se parecessem com fatos ocorridos com Camões.
Alguns fatos estão registrados, enquanto outros são de procedência duvidosa,
talvez uma invenção do próprio Bocage para fazer com que sua vida se
assemelhasse a de seu mestre. Como todo bom poeta, Bocage era um fingidor,
conforme nos diz Fernando Pessoa.
Além das semelhanças entre a vida dos dois poetas – ambos
foram soldados, viajaram por países do Oriente, morreram praticamente na
miséria –, também apresentaram semelhanças no campo literário. Um exemplo é o
nome que Bocage deu à sua obra, publicada ainda em vida, a qual tem o mesmo
nome de uma obra de Camões, publicada postumamente: Rimas. A obra de Camões foi
publicada em cinco volumes, enquanto a de Bocage foi publicada em três; enquanto
Camões retratou, em Os Lusíadas, as
glórias da história de Portugal, desde sua formação como nação até a época das
Grandes Navegações, Bocage retratou as mudanças pelas quais passavam Portugal e
o resto da Europa; se em Os Lusíadas
Camões tratou do episódio da morte de Inês de Castro, Bocage também não se
mostrou indiferente a esse episódio, escrevendo À Morte de Inês de Castro, que ele inicia com dois versos retirados
do Canto III, Instância 135, do próprio Os
Lusíadas; ambos fizeram referência aos deuses da mitologia grega – Camões
utilizando-os conforme exigia o modelo do épico; Bocage seguindo, inicialmente,
o modelo utilizado pelo Arcadismo, o qual ressuscitou o modelo clássico.
Um outro paralelo, citado pelos críticos e estudiosos de
literatura, refere-se ao uso dos sonetos como forma de expressão. Tanto Camões
quanto Bocage utilizaram-se dessa forma para compor alguns de seus melhores
poemas, utilizando-se do formalismo do soneto para realizar a expressão, de
forma condensada, dos estados emocionais.
Além
disso, Bocage, sempre que pôde, utilizou-se de paralelismos com Os Lusíadas em seus poemas. Um exemplo é
o Canto e soneto ao Capitão Lunardi,
onde Bocage utiliza-se da comparação do citado Capitão Lunardi com personagens
mitológicos, tais como Ícaro e Prometeu, além de personagens históricos de
Portugal, como Magalhães e Vasco da Gama, ambos presentes em Os Lusíadas. Além disso, no mesmo poema
Bocage contrapõe a “escuridade” e a luz, com aquela representando aqueles que
iam contra o progresso, e esta representando os homens ilustrados, os sábios
representantes da ciência. Os “ilustrados
varões” são aqueles que defendem o progresso, numa clara referência ao início
de Os Lusíadas (“As armas e os barões
assinalados”). Camões retratou os marinheiros portugueses, homens audazes que
se lançaram ao mar em busca de novas terras, como sendo os homens que trariam o
progresso a Portugal e, no mesmo Os
Lusíadas, o Velho do Restelo como símbolo da precaução e do conservadorismo.
Ou
seja, guardadas as devidas proporções, e sem diminuir o mérito de Bocage nas
letras portuguesas, é inegável que ele teve Camões como modelo, e procurou
moldar a sua vida de acordo com a do seu mestre, procurando imitá-lo nos
transes da vida bem como na estética literária.
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