Qualquer estudante de Teoria da Literatura conhece
os tipos de narrador: intradiegético e extradiegético. O narrador
extradiegético é aquele que não participa da história. É um narrador onisciente,
que não nos revela quem ele é e nem como ficou conhecendo os detalhes da
história que narra. Já o tipo de narrador intradiegético se divide em três
tipos: autodiegético, quando o narrador nos conta as suas próprias aventuras,
ou seja, o narrador é o personagem principal da história (um exemplo é
Bentinho, o narrador de Dom Casmurro); homodiegético, quando o narrador
participa da história, mas nos conta as aventuras de outra pessoa (exemplo
clássico é o Dr. Watson, o narrador das aventuras de Sherlock Holmes); e
heterodiegético, quando o narrador não participa diretamente da história que
narra, geralmente conhecendo a história por documentos ou relatos de outras
pessoas (é o caso do filme “Sempre ao seu lado”, onde o narrador é o neto do
professor de música, falecido muitos anos antes de ele nascer). A maioria dos
livros possui um destes tipos de narrador para desenvolver a trama que será
narrada ao leitor.
Em Drácula,
a obra clássica de Bram Stoker, a história é narrada por meio de cartas, diários
e notas de jornal. Neste caso, não existe apenas um narrador, mas vários
narradores, já que alguns personagens expressam seu ponto de vista sobre a
história narrada por intermédio de suas cartas e anotações em diários. Assim, os
narradores acabam se misturando e acabamos por ter a narração da história por meio
de diferentes pontos de vista. Essa é uma mudança fundamental na estrutura do
enredo que, normalmente, nos apresenta o ponto de vista de apenas um narrador, o
qual tem o controle total sobre a história que está sendo contada. Quando
existe mais de um narrador esse controle se esvai, já que diferentes narradores
podem ter pontos de vista diferentes sobre uma mesma questão. Em Drácula, temos a narração da história
por intermédio do diário de Jonathan Harker; das cartas e do diário de Mina
Murray (noiva de Jonathan Harker); das cartas de sua amiga, Lucy; recortes de
jornais; cartas do dr. Seward, diretor do sanatório, além de gravações que o
mesmo faz sobre os seus pacientes; e uma gravação do dr. Van Helsing.
Embora do ponto de vista da teoria literária Bram
Stoker tenha utilizado apenas um tipo de narrador, o homodiegético (já que
todos os narradores participam da história, embora nenhum deles seja o
personagem principal, o qual é o próprio Drácula), ele inovou com esse tipo de
narração ao nos oferecer pontos de vista diferentes sobre a história que nos
está sendo narrada. Este é um recurso interessante, pois temos acesso a diversas
situações que estão ocorrendo em diferentes locais, às quais alguns narradores-personagens
não têm acesso e, nesse caso, não poderiam ‘contar’ ao leitor o que está
ocorrendo. Assim, é como se tivéssemos um narrador extradiegético, que tivesse
consciência de tudo o que ocorre em qualquer lugar e com todos os personagens,
nos dando uma visão global da história. Do ponto de vista estrutural, Drácula é um livro inovador, misturando
conceitos e diluindo fronteiras – narrativas, espaciais etc.
Publicado originalmente em 1897, Drácula tem uma legião de admiradores,
tendo diversas publicações e sendo traduzido para diversas línguas. Drácula
tornou-se o representante legítimo do mito do vampiro, com todos os demais
vampiros que apareceram depois dele sendo inspirados por este personagem
fascinante.
Drácula é o típico caso em que um personagem supera
o próprio autor (Sherlock Holmes, criado por Conan Doyle, é outro exemplo).
Porém, Bram Stoker escreveu outros textos que, atualmente, encontram-se quase
esquecidos, mas que também merecem ser lidos.
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