terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A construção do mito em “O senhor dos anéis” e “Crônicas de gelo e fogo”


O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, e Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin, são duas das maiores sagas já escritas em tempos modernos. “O senhor dos anéis” foi dividido em três livros: “A Sociedade do Anel”, “As Duas Torres” e “O Retorno do Rei”. Se quisermos, podemos incluir “O Hobbit”, como sendo o primeiro livro da série, formando uma quadrilogia. Já “Crônicas de gelo e fogo”, segundo se diz, é uma saga composta por sete livros, dos quais cinco já foram publicados: “A Guerra dos Tronos”, “A Fúria dos Reis”, “A Tormenta de Espadas”, “O Festim dos Corvos” e “A Dança dos Dragões”. O sexto volume, a ser publicado, será “Os ventos do inverno”.
Ambas as sagas possuem semelhanças e diferenças. Entre as semelhanças podemos citar as cenas de batalhas, magia, monstros, seres mitológicos e um mundo que se parece com a nossa Terra em sua época medieval, com reis, príncipes e princesas, castelos etc.
Entre as diferenças, podemos citar a construção das personagens e o próprio foco da história. Enquanto em “O senhor dos anéis” o foco encontra-se no Um Anel – enquanto uns o querem para utilizá-lo em proveito próprio, outros querem vê-lo destruído –, em “Crônicas de gelo e fogo” o foco concentra-se na luta pelo Trono de Ferro e todas as disputas pelo Poder que isso acarreta, além da chegada iminente dos temíveis Outros, que se levantam com o frio – ou que trazem o frio quando se levantam?
Em relação aos personagens, enquanto “O senhor dos anéis” segue uma linha maniqueísta – os bons são extremamente bons e os maus são extremamente maus –, “Crônicas de gelo e fogo” fugiu dessa linha, tornando os personagens mais humanos e mais identificáveis com os seus leitores. Os selvagens do Norte, apesar do nome, demonstram certas emoções, como é o caso de Ygritte por Jon Snow, defendendo-o inúmeras vezes enquanto os demais selvagens o acusavam de ser um traidor. Já Jon Snow, que deveria ser um dos ‘mocinhos’ da história, juntou-se aos selvagens apenas para traí-los depois, o que custou a morte da selvagem Ygritte, por quem ele se afeiçoara. Mesmo personagens que começaram a história como vilões, como é o caso de Jaime e Tyrion Lannister e o Cão de Caça, por exemplo, demonstraram uma certa ‘humanidade’ em determinados momentos: Cão de Caça salva Sansa quando a comitiva do Rei Joffrey é atacada e várias pessoas são mortas; Jaime Lannister, o Regicida, volta para salvar Brienne de Tarth; Tyrion preocupa-se em evitar que a prostituta Shae seja morta, sendo traído por ela, depois. Em contrapartida, a jovem e sonhadora Sansa Stark, que a princípio é uma das ‘mocinhas’, mente em favor de Joffrey, contra a irmã Arya, apenas para não ver o seu sonho de casar com o “galante cavalheiro” ser destruído. Por conta dessa mentira, sua loba gigante Lady acaba sendo morta, bem como o filho do açougueiro que brincava com Arya, Mycah. A ‘mocinha’, no fim das contas, acabou agindo como a maioria dos mortais comuns: de forma egoísta.
Em “O senhor dos anéis”, a luta não é pelo Poder, e sim a velha luta do Bem contra o Mal. Os membros da Sociedade do Anel – Gandalf, Aragorn, Frodo, Gimli, Legolas etc. – não buscam glórias pessoais nem o controle de terras ou o governo de reinos. Querem apenas acabar com o mal provocado por Sauron e seus orcs, eliminando a ameaça que paira sobre a Terra Média. Frodo, ao aceitar o encargo de destruir o Um Anel, não pensa em dominar o Condado, após sua volta. Altruisticamente, pensa apenas em evitar que Condado seja afetado pelo mal proveniente de Sauron.
Já em “Crônicas de gelo e fogo”, todos querem uma fatia do bolo do Poder. Quando um grande senhor se junta a um dos reis, o faz pretendendo obter terras e títulos após a vitória do rei que apoia. Caso esse rei seja derrotado, esse mesmo senhor não hesita em dobrar o joelho e jurar fidelidade ao rei vencedor, esperando, pelo menos, ser poupado de uma execução.
Enquanto Tolkien, criado dentro do catolicismo, utilizou vários elementos do cristianismo em sua história – Gandalf, o Cinzento, morre, ressuscita e volta como Gandalf, o Branco (numa alusão à morte e ressureição de Jesus); Sauron perde seu corpo físico, mas continua a existir em uma forma espiritual, espalhando o mal pela Terra Média (numa alusão ao Demônio bíblico); os seres malignos são criaturas que vivem na escuridão e no fogo e possuem formas horrendas, enquanto os seres bons têm uma aparência angelical, como os elfos –, Martin resolveu centrar a história em uma época parecida com a Idade Média, quando reis lutavam por riquezas e territórios, visando ampliar o seu poder, lembrando-nos de que isso perdura até hoje. Ambas as sagas são riquíssimas, atuais e deveriam ser lidas por todos aqueles que tentam compreender o mundo no qual vivemos. Enquanto “Crônicas de Gelo e Fogo” mostra a luta pelo Poder – riquezas e territórios, coisa que acontece desde que o homem passou a viver em comunidades –, “O Senhor dos Anéis” aborda, de maneira não muito evidente, os prejuízos causados pela industrialização exagerada que vemos ocorrer desde a Revolução Industrial (para maiores detalhes, leia “A simbologia de “O senhor dos anéis”: Frodo e o conflito com a modernidade”, neste mesmo blog).

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