terça-feira, 12 de março de 2013

Os textos de informação como elemento formador da nossa literatura


Os assim chamados textos de informação, embora causem muitas controvérsias, são de grande importância para entendermos nossa história e, até mesmo, para o desenvolvimento da literatura que viria a se desenvolver no país. As controvérsias causadas por estes textos vão desde fatos históricos a discussões sobre serem considerados como literatura ou não. Além disso, fomos testemunhas de um fato raro entre os povos: apesar de os habitantes naturais do Brasil – os índios – serem ágrafos, nosso país teve o seu nascimento ligado diretamente ao símbolo escrito.   
Quanto aos fatos históricos, colocam-se dúvidas sobre a autenticidade de algumas passagens, inclusive pelo fato de que textos diferentes referem-se a um mesmo fato de maneira diversa. Na carta de Pero Vaz de Caminha, por exemplo, é narrado que dois degredados ficaram em terra, por ordem de Cabral, e que dois grumetes resolveram ficar naquela terra, quando da partida das naus, por vontade própria. Na carta do Piloto Anônimo – que muitos questionam ser de fato um piloto –, nada é dito quanto aos dois grumetes. Quanto aos degredados que aqui ficaram, é narrado que ambos tiveram que ser confortados pelos próprios índios, já que choravam desconsolados. Caminha não se refere a esse fato, dando-nos a entender que os degredados aceitaram a ordem sem nenhum questionamento. Em contrapartida, ambos os relatos concordam sobre a inocência dos nativos em relação a sua nudez. Eles não demonstram nenhuma vergonha em se mostrarem nus àqueles estrangeiros. Nem mesmo as mulheres demonstram qualquer tipo de pudor. E o interessante de se notar é que, embora venham de uma cultura onde a nudez é vista como algo vergonhoso, inconcebível, não se nota nos relatos que os exploradores sentiram-se incomodados com a nudez dos índios. Mostraram-se surpresos com a naturalidade e a inocência com a qual os nativos exibiam sua nudez, mas em nenhum momento pareceram incomodados ou chocados. Em contato com algo que, para os índios, era natural, passaram a encarar esse fato como natural também, embora para a sua cultura não o fosse.    
Lendo os textos desse período, podemos depreender dois pontos básicos: a preocupação dos cronistas em descrever a nova terra a ser conquistada, seus frutos, seus animais, seus rios e sua gente, de um lado; o assombro resultante da visão de um mundo diferente do que já haviam visto, de outro. A descrição da terra tem um propósito bem específico: fornecer elementos a El-Rei para que este pudesse decidir sobre um possível processo de colonização da nova terra, sobre as possibilidades que esta terra oferecia como fonte de riquezas para a Coroa. A descrição dos índios, sua inocência e amabilidade, bem como o conhecimento que possuíam da terra e a sua total integração com a natureza, pode servir como uma indicação de que aquele povo poderia ser utilizado como mão-de-obra, sem muitas dificuldades e sem ônus para a Coroa.
A descrição da floresta, dos animais, das flores, dos frutos demonstra, além de uma fonte de informações das possibilidades que aquela terra oferecia, devido às novidades que possuía em abundância, o assombro do europeu diante de um mundo novo, desconhecido, que impressiona pelo tamanho e exuberância, pelos mistérios que aquela imensa muralha verde pode ocultar em suas entranhas. Temos aí a admiração pela grandiosidade, o medo dos perigos ocultos, o respeito pelo desconhecido, a excitação pelas possibilidades, elementos do Sublime, um conceito explorado por Burke, no século XVIII, e utilizado soberbamente por Joseph Conrad em sua obra “O coração das trevas”, o qual pode ser demonstrado nesta passagem do livro: “O lugar parecia extraterreno. Estávamos habituado a vê-lo sob a forma de um monstro agrilhoado e domado, mas ali – o que víamos ali era uma coisa monstruosa e livre”. E esta parece ser a impressão que os cronistas têm da nova terra: um lugar selvagem, indomado, poderoso. Diferente de tudo o que eles já haviam visto em suas viagens e explorações. O desconhecido, ali, se fazia presente de uma maneira inteiramente nova para os exploradores. E esse devia ser o sentimento dos índios em relação aos homens brancos: a suntuosidade e curiosidade de suas vestes, as naus imensas, as armas e enfeites desconhecidos dos nativos. Um assombramento mútuo a dominar cada cultura. 
O Sublime, embora à época ainda não estivesse estruturado como conceito, marcaria o encontro do homem branco europeu com o índio nativo da nova terra. Longe de ser um encontro de intenções puramente mercantilista, o convívio do europeu com o índio teve implicações outras que influenciou a formação da própria terra recém-descoberta. Tanto que podemos observar em documentos e escritos dos jesuítas uma espécie de crítica aos costumes adotados pelos europeus radicados na nova terra, os quais pareceram amalgamar comportamentos europeus – tidos como ‘civilizados’ – com comportamentos demonstrados pelos índios – os chamados ‘selvagens’, povos sem ‘cultura’. Os colonos radicados no Brasil passaram a ter relações com as índias – e, posteriormente, com as negras –, praticaram a poligamia etc. A própria terra, com seus novos produtos sendo exportados para a Europa, modificou hábitos alimentares e comportamentais.   
Temos, aí, o reconhecimento da figura do ‘outro’. O índio, que teve a cultura do homem branco sendo-lhe impingida aos poucos, perdendo pouco a pouco sua própria identidade; e o homem branco, que teve que adaptar seus hábitos para as necessidades impostas por aquela nova terra onde sua cultura não tinha ainda conseguido se impor. A colônia, sendo explorada para lucro do europeu; e a metrópole, tendo que lidar com a nova terra que tinha em seu poder.  
Além disso, o europeu teve a sua cultura, considerada civilizada e superior, confrontada com os povos tidos como selvagens, tidos como uma cultura inferior ou, até mesmo, como povos sem cultura. Contudo, alguns estudiosos perceberam traços de civilidade que não eram encontrados mesmo em culturas européias. Além disso, alguns costumes considerados bárbaros pelos europeus, encontraram equivalentes em sua própria cultura. Enquanto condenavam alguns atos de ‘selvageria’ dos índios, perceberam os mesmos elementos utilizados, por exemplo, na Santa Inquisição.     
Quanto ao fato de serem considerados literatura ou não, os textos de informação ainda suscitam debates. É comum vermos esses textos inseridos, em livros sobre literatura, em um período conhecido como Quinhentismo, assim como temos o período conhecido como Seiscentismo ou Barroco. Muitos questionam o fato de esses textos de informação serem considerados como literatura, por diversos fatores: eram documentos – muitos oficiais, como a carta de Caminha – sobre as explorações que vários povos fizeram com o objetivo de conquistar novas terras para suas respectivas coroas; limitavam-se a descrever elementos da nova terra, tais como os índios, a floresta, os rios etc.; seus autores eram escrivães, pilotos, historiadores etc., estudiosos aparentemente sem pretensões literárias; seus autores eram europeus, e não nativos da nova terra. Contudo, se observarmos atentamente alguns documentos, veremos que determinadas partes não se limitam apenas a narrar fatos e descrever a geografia do local. Um documento estritamente oficial seria isento de linguagem poética, de senso de humor e de trocadilhos maliciosos. Caminha, talvez até mesmo inconscientemente, deu um certo tom “literário” à sua Carta, talvez inspirado pela grandiosidade do quadro que o cercava. Além disso, a admiração e o deslumbramento de alguns trechos das diversas crônicas escritas sobre o Brasil dão-lhes determinados elementos encontrados apenas em obras consideradas como sendo literatura. Além disso, as descrições que foram feitas sobre os índios serviram, mais tarde, de inspiração para o Romantismo, que tinha como uma de suas características o nacionalismo. Em oposição à literatura européia, onde os heróis nacionais são valentes cavaleiros medievais, na literatura brasileira temos a figura do índio como sendo o herói nacional. Além disso, temos toda a exuberância da natureza, que os românticos ora apresentam como pertencente à pátria, ora apresentam como uma espécie de refúgio à vida atribulada dos grandes centros urbanos de então. Temos em José de Alencar um dos autores que recuperou o elemento indígena, transformando-o em herói de seus romances: O Guarani, Iracema e Ubirajara. Esses livros apresentam o índio em três momentos distintos: em Ubirajara, a ação se passa em um período pré-cabralino, apresentando o índio em seu estado mais puro, uma espécie de índio original; em Iracema, temos o contato do índio, representado pela personagem-título, com o europeu, mostrando o que seria a origem do povo que seria chamado de ‘brasileiro’; e em O Guarani, o índio ‘europeizado’, fruto do contato com os colonizadores, principalmente com os jesuítas. Para a composição de O Guarani, Alencar pesquisou diversos documentos do período quinhentista. Posteriormente, temos em Mário de Andrade e o seu Macunaíma, já no período Modernista, uma retomada do elemento indígena como tema literário. Macunaíma é um anti-herói, índio que nasce preto e vira branco, representado a própria mistura racial que determinou o povo brasileiro, fruto dos cruzamentos entre índios, negros e brancos. Em ambos os casos – em Alencar e em Andrade –, temos uma espécie de volta às origens, um mergulho no período quinhentista como uma forma de resgatar a figura do índio, o verdadeiro índio, e uma busca por uma identidade nacional. 
Contudo, é inegável a influência da literatura portuguesa, em particular, e da européia, em geral, na formação da nossa própria literatura, já que esta era a única literatura que conhecíamos e que, portanto, era a única que poderia nos influenciar. Perguntado se outros escritores influenciaram seus escritos, Milton Hatoum respondeu que todo escritor é, antes de tudo, um leitor, portanto, não há como escapar a influências externas. O mesmo ocorreu com nossa literatura. A busca de uma literatura brasileira é, antes de tudo, a busca pelos elementos formadores de nossa terra, as influências que recebemos dos vários povos que aqui aportaram. E, mesmo em menor grau, essa sempre foi uma via de mão dupla.
Em um mundo que começou a se globalizar a partir das longas viagens marítimas e do comércio entre países, a figura do outro começou a se fazer cada vez mais presente.  

sábado, 2 de março de 2013

Camões e Bocage: mitos e fatos confundindo vida e obra dos dois poetas



Bocage é um dos mais importantes poetas de Portugal, formando com Luís Vaz de Camões e Antero de Quental a Santíssima Trindade da poesia lusitana. Se incluirmos Fernando Pessoa, seriam o Quarteto Fantástico da poesia portuguesa. Inclusive, não raro nos deparamos com comparações entre Bocage e Camões, tanto pela importância de ambos na literatura portuguesa quanto por semelhanças entre a vida dos dois poetas. Muitos dos acontecimentos da vida de Bocage guardam semelhanças com situações que ocorreram com Camões. Porém, é necessária alguma cautela ao examinarmos esses acontecimentos, já que na vida dos dois poetas fatos biográficos e mito não raro se confundem.  
Bocage é um confesso admirador de Camões, com quem se compara nas desventuras da vida, mas reconhece-se um poeta “inferior” ao mestre, conforme se pode observar nas estrofes abaixo:

Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa no fez perdendo o Tejo
Arrostar co sacrílego gigante:
[...]
Modelo meu tu és... Mas, oh tristeza!
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.

Bocage parecia perseguir, de forma consciente, essas semelhanças, levando-nos a considerar que muitas das situações foram planejadas pelo próprio Bocage para que se parecessem com fatos ocorridos com Camões. Alguns fatos estão registrados, enquanto outros são de procedência duvidosa, talvez uma invenção do próprio Bocage para fazer com que sua vida se assemelhasse a de seu mestre. Como todo bom poeta, Bocage era um fingidor, conforme nos diz Fernando Pessoa.
Além das semelhanças entre a vida dos dois poetas – ambos foram soldados, viajaram por países do Oriente, morreram praticamente na miséria –, também apresentaram semelhanças no campo literário. Um exemplo é o nome que Bocage deu à sua obra, publicada ainda em vida, a qual tem o mesmo nome de uma obra de Camões, publicada postumamente: Rimas. A obra de Camões foi publicada em cinco volumes, enquanto a de Bocage foi publicada em três; enquanto Camões retratou, em Os Lusíadas, as glórias da história de Portugal, desde sua formação como nação até a época das Grandes Navegações, Bocage retratou as mudanças pelas quais passavam Portugal e o resto da Europa; se em Os Lusíadas Camões tratou do episódio da morte de Inês de Castro, Bocage também não se mostrou indiferente a esse episódio, escrevendo À Morte de Inês de Castro, que ele inicia com dois versos retirados do Canto III, Instância 135, do próprio Os Lusíadas; ambos fizeram referência aos deuses da mitologia grega – Camões utilizando-os conforme exigia o modelo do épico; Bocage seguindo, inicialmente, o modelo utilizado pelo Arcadismo, o qual ressuscitou o modelo clássico.
Um outro paralelo, citado pelos críticos e estudiosos de literatura, refere-se ao uso dos sonetos como forma de expressão. Tanto Camões quanto Bocage utilizaram-se dessa forma para compor alguns de seus melhores poemas, utilizando-se do formalismo do soneto para realizar a expressão, de forma condensada, dos estados emocionais.
Além disso, Bocage, sempre que pôde, utilizou-se de paralelismos com Os Lusíadas em seus poemas. Um exemplo é o Canto e soneto ao Capitão Lunardi, onde Bocage utiliza-se da comparação do citado Capitão Lunardi com personagens mitológicos, tais como Ícaro e Prometeu, além de personagens históricos de Portugal, como Magalhães e Vasco da Gama, ambos presentes em Os Lusíadas. Além disso, no mesmo poema Bocage contrapõe a “escuridade” e a luz, com aquela representando aqueles que iam contra o progresso, e esta representando os homens ilustrados, os sábios representantes da ciência. Os “ilustrados varões” são aqueles que defendem o progresso, numa clara referência ao início de Os Lusíadas (“As armas e os barões assinalados”). Camões retratou os marinheiros portugueses, homens audazes que se lançaram ao mar em busca de novas terras, como sendo os homens que trariam o progresso a Portugal e, no mesmo Os Lusíadas, o Velho do Restelo como símbolo da precaução e do conservadorismo.
Ou seja, guardadas as devidas proporções, e sem diminuir o mérito de Bocage nas letras portuguesas, é inegável que ele teve Camões como modelo, e procurou moldar a sua vida de acordo com a do seu mestre, procurando imitá-lo nos transes da vida bem como na estética literária.   

domingo, 24 de fevereiro de 2013

O menor que será apresentado como o autor do disparo do sinalizador seria apenas um “laranja”?



O caso ocorrido na Bolívia, durante o jogo entre Corinthians e San Jose, durante o qual morreu o menino Kevin Espada, de apenas 14 anos, ainda não chegou a um desfecho. Várias situações foram levantadas a partir do lamentável incidente. Cogitou-se, até mesmo, a exclusão do Corinthians da Copa Libertadores. A Conmebol, a princípio, puniu o clube paulista obrigando-o a realizar os próximos jogos da 1ª fase da Libertadores com os portões fechados, o que gerou protestos por parte da torcida corintiana que tem ameaçado, inclusive, reunir-se na frente do estádio e tentar, eventualmente, forçar sua entrada.
Em uma tentativa de amenizar a situação, iniciou-se um acordo com o objetivo de a torcida corintiana apresentar o responsável pelo incidente. A notícia, agora, é de que um menor, de 17 anos, será apresentado, nessa semana, como sendo o autor do disparo do sinalizador. Vale levantar algumas questões sobre essa situação.
Em primeiro lugar, as torcidas organizadas possuem um “código” que impede que qualquer membro da torcida organizada “dedure” um membro que tenha cometido um crime. No caso atual, esse “código” foi desconsiderado e a torcida irá apresentar o infrator. Por que abrir mão desse “código” nessa situação?
O segundo ponto é o que levanta mais suspeitas: o fato de o infrator ser menor de idade.
Segundo as leis brasileiras, um cidadão brasileiro não pode ser extraditado para um país onde tenha cometido um crime. Para responder o processo na Bolívia, o infrator teria que ter sido preso no país, antes que pudesse voltar ao Brasil. Como o infrator voltou para o Brasil, não poderá ser extraditado.
Outro ponto é a questão da idade do infrator. Caso ele tivesse 18 anos, poderia ser processado criminalmente e cumprir pena por homicídio (que pode ser doloso ou culposo, dependendo do rumo das investigações). Por ter 17 anos, o infrator é considerado menor de idade, pelas nossas leis, não podendo, portanto, responder processo por homicídio. O que pode acontecer ao menor, caso seja realmente considerado culpado, é que ele seja recolhido à Fundação Casa (antiga FEBEM) e ficar detido durante 3 anos, no máximo, saindo antes dos 21 anos. Caso fosse maior de idade, poderia pegar pena de 12 anos ou mais. Ou seja, com a apresentação de um menor, a pena será bem menor do que se o infrator fosse maior de idade.
Assim, faço uma pergunta: será que o menor não é apenas um “laranja”, apresentado com o objetivo de proteger o verdadeiro assassino do torcedor boliviano?
No programa Bate-Bola, do canal ESPN Brasil, deste domingo, foi veiculada a informação de que o advogado do menor afirmou poder “provar” que ele foi o responsável pelo disparo que vitimou o torcedor boliviano. Não é um pouco estranho que um advogado queira “provar” que o seu cliente é realmente culpado? Geralmente, a função do advogado é provar que seu cliente é inocente, mesmo que ele não seja, exceto quando a confissão do crime resulte em algum benefício para o infrator. Nesse caso, o benefício poderia ser para o verdadeiro culpado, provavelmente maior de idade. De outra forma, por que a torcida Gaviões da Fiel está tão interessada em apresentar o “autor” do disparo, quando o seu “código” sugere que seja feito exatamente o oposto?
Isso levanta outro ponto: até quando um menor de idade, no Brasil, continuará sendo considerado “incapaz” de responder pelos seus crimes, crimes, muitas vezes, cometido com premeditação? Quando a Lei brasileira irá perceber que os menores dos tempos atuais, com Internet e outros recursos de informação, não são mais os ‘inocentes’ que eram nas décadas de 40 e 50?
Muitos criminosos, atualmente, utilizam-se de menores de idade para realizar seus crimes, sabendo que, com isso, os autores ficarão impunes. Será que se a Lei fosse diferente esse “menor” se apresentaria como sendo o autor do disparo?   
Está mais do que na hora de revermos as nossas Leis sobre esta questão.                

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O que há por trás da “porta-voz da liberdade”, Yoani Sánchez?

A ativista cubana, Yoani Sánchez, chegou ao Brasil com ares de pop star. Realizará uma turnê por algumas cidades, participando de debates, entrevistas etc., aclamada como uma espécie de “porta-voz” da liberdade. Nem mesmo o Dalai Lama, quando visita algum país levando uma mensagem de liberdade para o Tibet, invadido pela China na década de 50, recebe tantas atenções. Por que toda essa celeuma em torno da ativista cubana? Algumas questões se fazem necessárias para tentarmos entender o porquê de Yoani Sánchez receber tanta atenção da mídia.
Em primeiro lugar, por que os Estados Unidos lhe dão o seu mais completo apoio, quando existem países na África e Ásia que também sofrem com ditaduras, por vezes mais cruéis do que a que se diz ser praticada em Cuba, e são completamente ignoradas pelo Tio Sam? Será porque são países pobres e que, pela sua distância dos Estados Unidos, não são considerados como áreas de interesse militar? E o Tibet? Por que os Estados Unidos não apoiam tão abertamente ativistas políticos chineses e tibetanos, que criticam as atrocidades praticadas sob o regime chinês?
Além desse, outros pontos devem ser analisados. 
Uma questão importante é: quem está financiando as viagens de Yoani Sánchez? Ela tem viajado por vários países, conhecendo inúmeras cidades. Quem paga suas despesas? E, o mais importante, com que propósito? 
Outro detalhe interessante. O blog criado por Yoani Sánchez, o “Generación Y”, vem recebendo uma atenção bastante incomum, que nem mesmo blogs de jornalistas e escritores renomados recebem, inclusive o ‘Prêmio de Jornalismo Ortega e Gasset’, di jornal espanhol “El País”, geralmente outorgado a jornalistas e escritores que possuam uma sólida e reconhecida carreira em sua área. Juntamente com esse prêmio, Yoani Sánchez embolsou 15 mil euros. O blog de Yoani Sánchez vem recebendo destaque de outras fontes, tais como a rede de televisão CNN, além de vários outros prêmios, inclusive em dinheiro. Isso tudo em apenas um ano de existência.
As postagens do “Generación Y” possuem traduções para vários idiomas, tais como inglês, francês, espanhol, italiano, além de chinês, japonês e húngaro. No total, suas postagens são traduzidas em mais de quinze idiomas. A menos que Yoani Sánchez tenha um fenomenal dom para as línguas, ela teria que possuir uma equipe para realizar as traduções de suas postagens. Se for o caso, quem manteria essa equipe, com todo o custo que ela representaria? Vale lembrar que nem mesmo sites de grandes empresas privadas ou de órgãos do governo traduzem seus conteúdos para tantos idiomas diferentes.
Algumas das afirmações de Yoani Sánchez são contraditórias. Por exemplo, ela afirma que os cubanos não têm acesso à Internet. Se é assim, como ela consegue ter um blog que traduz suas postagens para mais de quinze idiomas, além de seguir e ter milhares de seguidores no Twitter? Como ela consegue utilizar um sistema de pagamento  on-line em um país cujas sanções econômicas proíbem o comércio eletrônico?
O “fenômeno” Yoani Sánchez é algo que temos que analisar com cuidado. Após ela ter chegado ao Brasil, já vi em redes sociais pessoas apoiando a ‘causa’ da ‘ativista’ de maneira irrestrita. Essas pessoas, simplesmente, abraçam o que o “Jornal Nacional” lhes diz para abraçar, sem analisar as implicações políticas que estão por trás dessa “defesa pela liberdade”. 
Devemos lembrar que os Estados Unidos que apoiam a causa de Yoani Sánchez contra a ditadura cubana, são os mesmos Estados Unidos que ajudaram a implantar ditaduras por toda a América do Sul e América Central nos anos 70 e 80, além de apoiar regimes de extrema-direita em vários países da Ásia e da África. Os Estados Unidos não se preocupam com a liberdade dos outros. Suas ações são baseadas puramente em objetivos econômicos, militares e políticos que lhes favoreçam.
Ninguém se torna uma potência econômica mundial praticando a caridade.  

sábado, 16 de fevereiro de 2013

O retorno das histórias de cavalaria e a modernidade



Ultimamente, temos visto um retorno a um tipo de história que andava meio esquecida, desde as sagas sobre a lenda do Rei Arthur: as histórias de cavalaria, situadas em mundos que lembram a nossa Idade Média.
Na década de 80, tivemos “As brumas de Avalon”, de Marion Zimmer Bradley, que tratava a lenda do Rei Arthur sob um ponto de vista feminino. Desde então, não tivemos nada de grande relevância na literatura, até a redescoberta de uma obra que andava meio esquecida no restante do mundo e que, no Brasil, era quase desconhecida: “O Senhor dos Anéis”.
Com o sucesso de “O Senhor dos Anéis”, várias histórias começaram a surgir na literatura mundial. Novas edições de “D. Quixote” foram publicadas, além de presenciarmos o surgimento de obras modernas como “Crônicas de Gelo e Fogo”, de George R. R. Martin, “Rangers – Ordem dos Arqueiros”, de John Flanagan, e “Crônicas de Nárnia”, de C. S. Lewis. Na televisão, temos visto o ressurgimento do tema em séries como “Merlin”, além de vários filmes e seriados sobre dragões.
Em uma época marcada pela profusão de novidades tecnológicas, temos presenciado um retorno a temas antigos e tradicionais, com os quais a nossa pretensa modernidade pretendia romper. É a famosa ruptura da tradição ou tradição da ruptura, conceito tão bem desenvolvido por Otávio Paz.
Histórias de bruxas – ou bruxos, como é o caso de Harry Potter – e releituras de contos infantis – como são os casos de filmes como “João e Maria”, vários sobre Branca de Neve, além de uma série intitulada “Once upon a time”, uma miscelânea de contos infantis – têm preenchido a nossa televisão, cinema e literatura. Isso sem contar a enxurrada de filmes e livros sobre vampiros e lobisomens. O antigo e o tradicional estão reencontrando seu espaço na nossa modernidade.
O mundo antigo seria mais fácil de suportar do que a nossa caótica modernidade? Seria mais fácil viver em um mundo onde a justiça era feita na ponta da espada e julgamentos eram realizados por combate? Seria isso mais fácil do que as nossas várias leis corrompidas para uso pessoal dos poderosos? Afinal, somos assim tão diferentes das pessoas daquela época?
Na Idade Média, os reis e senhores detinham poder de vida e morte sobre seus súditos. As leis eram feitas de acordo com a vontade real e eram quebradas sem a menor cerimônia, sem que o povo pudesse questionar. Hoje em dia, isso mudou – diriam alguns. Mas, será que mudou mesmo?
O povo pode reclamar, mas até que ponto essas reclamações têm validade? No Brasil, vemos, todos os dias, o povo reclamando dos abusos do Congresso, onde deputados e senadores criam leis que os beneficiam, aumentam seus próprios salários e presenteiam a si mesmos com imunidades. Professores e médicos, por exemplo, ganham uma miséria, enquanto nossos políticos ganham fortunas e nem se dignam a comparecer ao Congresso para honrar seus vultosos salários.
Ou seja, os poderosos continuam cada vez mais poderosos, enquanto o povo continua sendo o camponês ignorante, temente ao seu suserano. Somos nós que elegemos os nossos governantes, mas os tratamos com um temor quase reverente, quando deveriam ser eles a nos agradecer por ocuparem os cargos que ocupam.
“Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”, diria Belchior. Ainda vivemos como na Idade Média: os pequenos com medo dos poderosos; os poderosos agindo de forma autoritária e arbitrária, sem serem punidos; o camponês que produz passando fome, enquanto os poderosos jogam comida no lixo; os filhos dos poderosos estudando nos Estados Unidos ou Europa, enquanto a maioria do nosso povo permanece na ignorância. Na Idade Média, os filhos dos camponeses não tinham permissão para estudar; os filhos dos nossos camponeses estudam, mas recebem uma educação que só se preocupa com índices para agradar ao FMI, mas que mantém nossos alunos na ignorância. Vemos alunos saindo do Ensino Médio quase sem saber ler ou escrever de uma forma minimamente aceitável. E isso não ocorre apenas no Brasil.
Será que essa onda de histórias de cavalaria não é um reflexo inconsciente do que acontece em nossa época? Um alerta inconsciente para mostrar que a tão apregoada modernidade na verdade não ocorreu?
Nossa política é uma verdadeira Guerra dos Tronos. O mundo está cheio de Cerceis, Jaimes e Tyrions Lannisters. E, o que é pior: Saurons, também.     

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A tensão entre oralidade e escrita em “Grande sertão: veredas”



A obra de João Guimarães Rosa nos permite efetuar várias leituras diferentes sobre os mais diversos temas, o que faz com que sua obra seja uma das mais ricas da literatura brasileira e, até mesmo, da literatura mundial. Guimarães Rosa nos apresenta um sertão rico em descrições tanto físicas quanto linguísticas. Rosa era um pesquisador do sertão, o que faz com que sua obra seja rica em detalhes. Nesse aspecto, seu trabalho se aproxima de “Os sertões”, de Euclides da Cunha, embora não possua o tratamento técnico, científico deste.
A preocupação com a linguagem é uma das marcas da obra de Rosa. Ele faz uso de um falar sertanejo, bem como de uma linguagem mais refinada, ambas as linguagens presentes no sertão, ao mesmo tempo separando e unindo os personagens. A linguagem do sertão se faz presente no mundo, e a linguagem do mundo se faz presente no sertão. Para o próprio Guimarães Rosa, o sertão é o mundo. Conforme as palavras do personagem-narrador Riobaldo, em “Grande sertão: veredas”, “o sertão está em toda a parte”.
Muitos teóricos afirmam que Guimarães Rosa faz uso de diversos neologismos nos seus textos, inventando, ele mesmo, muitas das expressões utilizadas no livro. No entanto, uma observação mais atenta nos mostra que, em muitos casos, Guimarães Rosa faz uso de estrangeirismos (é o caso de esmarte, do inglês smart, e joliz, do francês joli mais a palavra portuguesa feliz) e de arcaísmos (é o caso de vuvú vavavá, que constam do Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa). Muitas expressões usadas nos seus textos são palavras dicionarizadas que, por um motivo qualquer, deixaram de ser utilizadas e que já eram consideradas arcaísmos na época em que sua obra foi escrita.
Guimarães Rosa foi tachado tanto de reacionário (por se utilizar de arcaísmos) quanto de revolucionário (por se utilizar de neologismos e de estrangeirismos). O termo “reacionário” é usado, geralmente, de uma forma pejorativa. Entretanto, se considerarmos que, ao utilizar uma palavra já esquecida, portanto, desconhecida para a maioria, senão para a totalidade, dos leitores, revivendo-a, isso teria o mesmo efeito que a criação de uma palavra nova (já que, para os leitores, essa palavra seria, efetivamente, “nova”). Assim, ele estaria sendo mais revolucionário do que reacionário.
Porém, o que se observa é que, mais do que trabalhar a linguagem, “Grande sertão: veredas”, talvez mais do que qualquer outra obra de Guimarães Rosa, ressalta o conflito entre a tradição oral e a escrita. Além dos diversos ‘causos’ contados pelo personagem-narrador, Riobaldo, que são uma característica da história transmitida de forma oral no sertão, há também a própria estrutura narrativa utilizada pelo autor: o monólogo. O texto se inicia pela fala de Riobaldo, dispensando a presença de um narrador que normalmente situaria a história, o local e os personagens. Enquanto n’Os sertões, de Euclides, temos um capítulo destinado a descrever a terra e outro a descrever o homem, antes de narrar a luta, que é o objetivo do livro, em Rosa vamos conhecendo um e outro – terra e homem – à medida em que a narrativa de Riobaldo avança.
Rosa também nos faz acreditar na presença de um interlocutor que estabelece um diálogo – outra característica da oralidade – com Riobaldo, um interlocutor cuja presença, contudo, está comprometida pela própria fala de Riobaldo. O interlocutor de Riobaldo não é passivo – ele “participa” da narrativa fazendo perguntas e pequenas interrupções –, contudo, essa não-passividade só se dá através do próprio Riobaldo, o qual monopoliza toda a narração – o que é uma característica de um texto escrito. Os personagens falam pela boca de Riobaldo. Temos, nesse caso, uma ambiguidade onde um texto escrito encena uma situação falada e onde a oralidade simula um texto escrito. A escolha de uma narrativa que simula a oralidade revela-nos uma simulação do próprio ambiente do sertão, repleto de personagens rústicos, refratários a mudanças.
Longe de se limitar, entretanto, à ambiguidade entre oralidade e escrita, Rosa estende essa dicotomia para a própria situação do sertão: um ambiente de tensão constante entre os senhores proprietários de terras e o povo, ou seja, a língua escrita como forma de opressão em contraste com a liberdade que se permite a oralidade. O próprio diálogo de Riobaldo com o interlocutor não-nomeado já representa uma ambiguidade, um conflito: o interlocutor demonstra ser um homem culto e cosmopolita, enquanto Riobaldo, atualmente um fazendeiro, já foi jagunço no passado.             
A figura do interlocutor não-nomeado, homem letrado, o qual aparentemente questiona Riobaldo sobre as coisas do sertão, sugere alguém que não pertence àquele meio, embora possua grande interesse nele. Sugere a pessoa de um pesquisador mais do que a de um simples curioso. Esse perfil do interlocutor se encaixa perfeitamente no perfil do próprio Guimarães Rosa, o qual viajava pelo sertão conversando com as pessoas, coletando “causos”, observando a paisagem e a linguagem. Encarando a situação por este ângulo, temos mais uma ambiguidade que permeia o texto. Se considerarmos Rosa como sendo o interlocutor, o narrador passaria a ser esse mesmo interlocutor e, portanto, o texto readquiriria o seu caráter de linguagem escrita; caso contrário, teremos a figura de Riobaldo como narrador e, portanto, voltamos à linguagem oral. Ou seja, de maneira sub-reptícia, Rosa figura a tensão, no controle da narrativa, entre oralidade – Riobaldo, o sertão – e escrita – o interlocutor cosmopolita, o urbano.
Oralidade e escrita, sertão e litoral, proprietários de terras e povo, Deus e Diabo! A própria palavra ‘veredas’, do título, expressa essa dualidade: de acordo com o dicionário Aurélio, vereda, na linguagem do nordeste brasileiro, significa “região mais abundante em água na zona da caatinga, entre as montanhas e os vales dos rios, e onde a vegetação é um misto de agreste e caatinga”.  Vereda também significa “caminho estreito, senda”, em contraste com o “grande sertão”.
A linguagem pode ser tão vasta quanto o sertão, mas também pode ser tão limitadora e estreita quanto uma vereda!  

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A construção do mito em “O senhor dos anéis” e “Crônicas de gelo e fogo”


O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, e Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin, são duas das maiores sagas já escritas em tempos modernos. “O senhor dos anéis” foi dividido em três livros: “A Sociedade do Anel”, “As Duas Torres” e “O Retorno do Rei”. Se quisermos, podemos incluir “O Hobbit”, como sendo o primeiro livro da série, formando uma quadrilogia. Já “Crônicas de gelo e fogo”, segundo se diz, é uma saga composta por sete livros, dos quais cinco já foram publicados: “A Guerra dos Tronos”, “A Fúria dos Reis”, “A Tormenta de Espadas”, “O Festim dos Corvos” e “A Dança dos Dragões”. O sexto volume, a ser publicado, será “Os ventos do inverno”.
Ambas as sagas possuem semelhanças e diferenças. Entre as semelhanças podemos citar as cenas de batalhas, magia, monstros, seres mitológicos e um mundo que se parece com a nossa Terra em sua época medieval, com reis, príncipes e princesas, castelos etc.
Entre as diferenças, podemos citar a construção das personagens e o próprio foco da história. Enquanto em “O senhor dos anéis” o foco encontra-se no Um Anel – enquanto uns o querem para utilizá-lo em proveito próprio, outros querem vê-lo destruído –, em “Crônicas de gelo e fogo” o foco concentra-se na luta pelo Trono de Ferro e todas as disputas pelo Poder que isso acarreta, além da chegada iminente dos temíveis Outros, que se levantam com o frio – ou que trazem o frio quando se levantam?
Em relação aos personagens, enquanto “O senhor dos anéis” segue uma linha maniqueísta – os bons são extremamente bons e os maus são extremamente maus –, “Crônicas de gelo e fogo” fugiu dessa linha, tornando os personagens mais humanos e mais identificáveis com os seus leitores. Os selvagens do Norte, apesar do nome, demonstram certas emoções, como é o caso de Ygritte por Jon Snow, defendendo-o inúmeras vezes enquanto os demais selvagens o acusavam de ser um traidor. Já Jon Snow, que deveria ser um dos ‘mocinhos’ da história, juntou-se aos selvagens apenas para traí-los depois, o que custou a morte da selvagem Ygritte, por quem ele se afeiçoara. Mesmo personagens que começaram a história como vilões, como é o caso de Jaime e Tyrion Lannister e o Cão de Caça, por exemplo, demonstraram uma certa ‘humanidade’ em determinados momentos: Cão de Caça salva Sansa quando a comitiva do Rei Joffrey é atacada e várias pessoas são mortas; Jaime Lannister, o Regicida, volta para salvar Brienne de Tarth; Tyrion preocupa-se em evitar que a prostituta Shae seja morta, sendo traído por ela, depois. Em contrapartida, a jovem e sonhadora Sansa Stark, que a princípio é uma das ‘mocinhas’, mente em favor de Joffrey, contra a irmã Arya, apenas para não ver o seu sonho de casar com o “galante cavalheiro” ser destruído. Por conta dessa mentira, sua loba gigante Lady acaba sendo morta, bem como o filho do açougueiro que brincava com Arya, Mycah. A ‘mocinha’, no fim das contas, acabou agindo como a maioria dos mortais comuns: de forma egoísta.
Em “O senhor dos anéis”, a luta não é pelo Poder, e sim a velha luta do Bem contra o Mal. Os membros da Sociedade do Anel – Gandalf, Aragorn, Frodo, Gimli, Legolas etc. – não buscam glórias pessoais nem o controle de terras ou o governo de reinos. Querem apenas acabar com o mal provocado por Sauron e seus orcs, eliminando a ameaça que paira sobre a Terra Média. Frodo, ao aceitar o encargo de destruir o Um Anel, não pensa em dominar o Condado, após sua volta. Altruisticamente, pensa apenas em evitar que Condado seja afetado pelo mal proveniente de Sauron.
Já em “Crônicas de gelo e fogo”, todos querem uma fatia do bolo do Poder. Quando um grande senhor se junta a um dos reis, o faz pretendendo obter terras e títulos após a vitória do rei que apoia. Caso esse rei seja derrotado, esse mesmo senhor não hesita em dobrar o joelho e jurar fidelidade ao rei vencedor, esperando, pelo menos, ser poupado de uma execução.
Enquanto Tolkien, criado dentro do catolicismo, utilizou vários elementos do cristianismo em sua história – Gandalf, o Cinzento, morre, ressuscita e volta como Gandalf, o Branco (numa alusão à morte e ressureição de Jesus); Sauron perde seu corpo físico, mas continua a existir em uma forma espiritual, espalhando o mal pela Terra Média (numa alusão ao Demônio bíblico); os seres malignos são criaturas que vivem na escuridão e no fogo e possuem formas horrendas, enquanto os seres bons têm uma aparência angelical, como os elfos –, Martin resolveu centrar a história em uma época parecida com a Idade Média, quando reis lutavam por riquezas e territórios, visando ampliar o seu poder, lembrando-nos de que isso perdura até hoje. Ambas as sagas são riquíssimas, atuais e deveriam ser lidas por todos aqueles que tentam compreender o mundo no qual vivemos. Enquanto “Crônicas de Gelo e Fogo” mostra a luta pelo Poder – riquezas e territórios, coisa que acontece desde que o homem passou a viver em comunidades –, “O Senhor dos Anéis” aborda, de maneira não muito evidente, os prejuízos causados pela industrialização exagerada que vemos ocorrer desde a Revolução Industrial (para maiores detalhes, leia “A simbologia de “O senhor dos anéis”: Frodo e o conflito com a modernidade”, neste mesmo blog).